Darcy Ribeiro: O Triunfo dos Fracassos

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Por Henrique Matthiesen*

“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

A célebre declaração de Darcy Ribeiro, um dos maiores intelectuais do Brasil, ecoa como confissão pungente e, ao mesmo tempo, como ato de resistência. Em suas palavras, o fracasso não é derrota, mas sinal de combate travado contra forças históricas de atraso e submissão. O que ele chama de “fracassos” são, na verdade, testemunhos de sua luta incessante por um país mais justo, livre e soberano. Darcy não se envergonha de ter perdido; envergonhados deveriam estar aqueles que o impediram de vencer.

O impacto de sua reflexão está no paradoxo que ela encerra: ao reconhecer a impossibilidade de concretizar plenamente seus projetos — a educação universal, a preservação dos povos indígenas, a universidade comprometida com o desenvolvimento e a autonomia nacional — Darcy reafirma a grandeza de sua missão. Ele sabia que lutava contra inimigos poderosos, entranhados nas estruturas de poder. Assim, sua biografia revela que a grandeza de um homem não está em somar conquistas fáceis, mas em travar batalhas justas, ainda que as condições as tornem quase impossíveis de vencer.

Por trás de cada um de seus “fracassos” está a sombra de uma elite nacional que Darcy sempre denunciou com dureza. Para ele, o verdadeiro obstáculo à transformação do Brasil não era a falta de ideias ou de recursos, mas o caráter retrógrado de nossas classes dominantes. Apátridas e parasitárias, vivem de explorar as riquezas nacionais, de sabotar qualquer projeto autônomo de desenvolvimento e de manter o povo na ignorância. Em sua leitura crítica, a crise da educação no Brasil não é casual: é planejada. A exclusão das maiorias e a mediocridade imposta às escolas foram escolhas deliberadas de uma elite que prefere um povo submisso a uma nação esclarecida.

Essa percepção se ancora em uma longa herança histórica. O Brasil, último país a abolir a escravidão, carrega até hoje a marca da violência e do desprezo pelas classes populares. Darcy não hesitava em afirmar que a cicatriz da escravidão se mantém viva, revelando-se em práticas racistas, no elitismo feroz e na naturalização da desigualdade. Essa herança de brutalidade moldou uma classe dominante que ele classificava como ranzinza, medíocre e incapaz de conduzir o país a um futuro digno.

Ao confrontar esse diagnóstico com sua autocrítica, vemos a coerência de Darcy Ribeiro: ele fracassou porque não se curvou. Seus projetos foram sabotados porque ousaram desafiar a ordem estabelecida. Mas, ao expor a perversidade das elites e ao persistir em seu sonho de emancipação nacional, Darcy legou ao Brasil algo maior que vitórias imediatas: legou a consciência crítica de que só haverá futuro se rompermos com o círculo vicioso de dominação que nos aprisiona desde a Colônia.

Assim, o balanço de Darcy não é lamento, mas testemunho. Ele não desejaria estar no lugar dos que o derrotaram, pois estes representam a continuidade da miséria e da dependência. Seus “fracassos” são, na verdade, vitórias morais e históricas, lembrando que, para além das circunstâncias adversas, a luta pela educação, pela justiça social e pela soberania nacional é o único caminho possível para que o Brasil seja, um dia, mais do que colônia de si mesmo.

Darcy Ribeiro permanece vivo porque sua voz ainda denuncia, interpela e convoca. E sua lição final é clara: fracassar tentando transformar o Brasil é infinitamente mais nobre do que triunfar servindo às forças que o condenam à estagnação.

*Henrique Matthiesen é Formado em Direito e Pós-Graduado em Sociologia.

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