Uma transação de alto valor que une finanças de elite, relacionamentos controversos e investigações federais – detalhes que levantam questionamentos sobre origens de fortunas no Brasil
Em uma transação registrada em dezembro de 2024, o banqueiro Daniel Vorcaro, proprietário do Banco Master, doou um apartamento avaliado em R$ 4,3 milhões localizado na prestigiada região da Faria Lima, na capital paulista, para a influenciadora digital Karolina Trainotti, de 29 anos. A notícia, revelada pelo portal UOL, ganha contornos adicionais ao se conectar a um processo judicial em que Trainotti é ré por lavagem de dinheiro, relacionado a repasses supostamente ligados ao tráfico internacional de cocaína.
Vorcaro, que enfrentou prisão preventiva em novembro de 2025 por suspeitas de fraude em uma operação de R$ 12 bilhões envolvendo o Banco de Brasília (BRB), foi solto após 12 dias por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O caso do Banco Master inclui acusações de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, mas a doação do imóvel a Trainotti surge como um episódio à parte, sem ligação direta estabelecida nas investigações em curso.
A aquisição do bem ocorreu em 2020 pela Viking Participações, empresa controlada por Vorcaro. Em 2024, o apartamento foi transmitido para a Super Empreendimentos e Participações, sociedade anônima fechada dos sócios de Vorcaro – que também detém a casa do banqueiro em Brasília, avaliada em R$ 36 milhões, e seu apartamento em São Paulo, de R$ 50 milhões. Um cunhado de Vorcaro atuou como diretor da Super por quatro anos. A escritura da doação, oficializada em dezembro de 2024, não menciona o nome de Vorcaro diretamente.
Trainotti, com cerca de 34 mil seguidores no Instagram onde compartilha viagens de luxo para destinos como Sardenha, na Itália, e Míconos, na Grécia, reside no imóvel. Ela foi denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2023 por lavagem de dinheiro em favor de Rowles Magalhães, réu por tráfico internacional de cocaína do Brasil para a Europa, utilizando jatos executivos para o envio de drogas. O processo tramita na Justiça Federal da Bahia e envolve, ainda, o ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, Nilton Borges Borgato, a doleira Nelma Kodama e outros 13 denunciados por tráfico, organização criminosa e remessa irregular de divisas.
De acordo com a denúncia do MPF, Trainotti atuou como “destinatária dos recursos de origem criminosa que Rowles pretendia omitir”. Entre 2020 e 2021, ela recebeu R$ 271 mil, dos quais pelo menos R$ 130 mil foram transferidos via esquema conhecido como “dólar-cabo” – método em que euros obtidos com o tráfico na Europa eram convertidos em reais no Brasil por doleiros e depositados em contas de beneficiários. Um doleiro, em delação premiada, relatou: “O Rowles chegava pra mim e falava eu tenho 50 mil dólares e eu quero receber em real, quanto é que fica?”. Em um exemplo de outubro de 2020, Rowles transferiu euros equivalentes a R$ 15 mil, e o valor foi depositado na conta de Trainotti no mesmo dia. Após quebra de sigilo bancário, o MPF identificou mais R$ 141 mil em repasses semelhantes.
O MPF argumenta que “a forma como as transações foram realizadas não deixa dúvida acerca da intenção de ocultação da origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores oriundos do tráfico internacional de drogas, de modo que chegassem aos denunciados e às pessoas a eles relacionadas sem que fosse possível rastrear a origem criminosa dos recursos”.
A defesa de Trainotti, representada pelo advogado Eugênio Pacelli – que também atua para Vorcaro em algumas ações –, nega qualquer ilicitude. A influenciadora alega inocência e justifica os repasses como parte de uma relação amorosa com Magalhães, na qual atuava como “sugar baby” – termo que descreve jovens que mantêm relacionamentos com homens mais velhos em troca de benefícios financeiros, como mesadas. Segundo os advogados, “sua inclusão nas investigações deu-se apenas por sua condição de sugar baby de um dos corréus, tendo os seus gastos pessoais sido por ele custeados no período do relacionamento amoroso”. Eles afirmam ainda que Trainotti “nunca soube do suposto tráfico de drogas imputado aos corréus” nem “teria ou teve razões para suspeitar de qualquer ilegalidade por parte do corréu Rowles, com quem manteve relação amorosa por um período, durante o qual viveu praticamente às expensas dele”.
Pacelli assumiu a defesa de Trainotti em abril de 2024. Nem ela, nem Vorcaro ou seus advogados responderam a contatos do UOL para comentar a doação. A repercussão nas redes sociais, especialmente no X (antigo Twitter), tem sido intensa desde a publicação da reportagem, com posts de perfis como o Blog do Noblat acumulando milhares de interações e destacando os laços entre finanças, luxo e crime organizado.
O caso ilustra as interseções entre o mundo das finanças de elite e investigações criminais no Brasil, onde esquemas como o “dólar-cabo” – desmantelado em operações como a que resultou na denúncia de 2022 contra Magalhães e comparsas – continuam a emergir em processos judiciais. A doação, embora não diretamente questionada no âmbito da denúncia contra Trainotti, reforça debates sobre transparência em transações imobiliárias de alto valor e a rastreabilidade de recursos em um país que luta contra a lavagem de capitais oriundos do narcotráfico. Por Alan.Alex / Painel Político


