Da Bahia para o mundo: Teixeira de Freitas nas cartas do poeta Erivan Santana

9

Por Luiz Otávio Oliani

Da Bahia para o mundo: Teixeira de Freitas nas cartas do poeta Erivan Santana
Arte: redação/Vejaessa

O título de um livro, por si só, induz o leitor a algo que não corresponde à realidade. O que dizer de um título como “Cartas teixeirenses, ba”? Um leitor desavisado dirá que se trata de um conjunto de missivas, correspondências postais dedicadas a não se sabe quem. Ledo engano.

A primeira edição de “Cartas teixeirenses, ba”, de Erivan Santana, em publicação paulista pela Lura Editorial, 2023, contém poemas do autor baiano.

No prólogo, o próprio escritor explica que o livro homenageia o quinhão geográfico do nascimento, a cor local, como prova de amor à cidade de Teixeira de Freitas, na Bahia, onde reside há 37 anos.

Já no prefácio Fernando Lago cita que o volume “(…) nos faz viajar no tempo e no espaço a cada verso com que nos deparamos”, p,7. E “o livro não tem cheiro de memórias antigas”, p.8. Poderia até tê-las, se houvesse um nacionalismo laudatório, todavia, em tempos de pós-modernidade, a contenção verbal dá espaço a arroubos desnecessários.

Ao final, o prefaciador evoca o desejo da continuidade do trabalho de Erivan, ao dizer que: “Sua literatura nos deixa com sede de mais. Torçamos para que novas obras como esta nos venham encontrar no futuro, para nos levar e outras viagens…”
Convém, agora, passarmos para breve análise de alguns poemas significativos, sob o escopo da luz da Teoria Literária.

A aldravia, p.20, “nas / ruas / Teixeira/ conheço / sua / história” mostra a força geográfica do quinhão onde o poeta vive, ou seja, o amor pela terra natal.

“Luminares de Atenas”, p. 23, é um belo poema de exaltação à cultura greco-latina, pois “Minha imagem no espelho é só / um reflexo com medo do tempo” e tudo porque “Passaram Troia, Aquiles e Heitor: / ficou Homero com os Luminares / de Atenas – os neoplatônicos.”

Os títulos “A razão de Nietzsche”, p.24, e “Encontrando Shakespeare”, p.25, apenas reforçam o diálogo de Erivan com o que há de mais nobre na cultura mundial.

A observação da natureza em “Água de meninos”, p.27, mostra a inocência das crianças diante de dois periquitos pousados no galho de uma árvore.Da Bahia para o mundo: Teixeira de Freitas nas cartas do poeta Erivan Santana

Luiz Otávio Oliani dedica resenha à obra “Cartas teixeirenses, ba” 

Já o poema “A última carta”, p.31, poderia ser chamado de “O peso da tecnologia”, pois no texto aparece um eu lírico que declara: “O mundo perdeu o rumo quando / parei de receber cartas pelo correio”. Todavia, há algo que ainda enternece a voz poética: é o fato de que o recebimento de um autógrafo em um livro confirma ainda a humanidade, o respeito do autor para com o leitor e o afeto que envolve a união entre eles.

“Fusca 74”, p. 55, evoca lembranças de uma época histórica ao eu lírico. Já “Epílogo”, p. 56, trata da efemeridade da vida marcada pelo ter em dicotomia com o ser: “No mercado das vaidades / onde as joias são passageiras// Somos inquilinos das horas / que se vão, sem volta/ (…)”

Eis uma poesia que bebe da música e da cultura.  O poema “O enviado de Trenchtown”, p.60, faz referência à letra “Alagados, à Africa, ao jazz, ao êxtase dionísiaco, com o desfecho: “E anuncie a alforria / Desde Trenchtown: / – No woman, no cry!”.
“Dália negra”, p.64, é um texto pujante que tem como refrão “Quem mandou matar Marielle Franco?”, mas o poema vai além, ao homenagear vultos femininos que fizeram a história mundial: Dandara dos Palmares, Maria Quitéria, Olga Benário, Irmã Dorothy, Benazir Bhutto, Joana d’Arc, entre muitas outras.

“Amanhecer violento”, p.65, traz à tona a cidade em chamas, com “balas perdidas”, porque “Corpos negros tombam”, com a reflexão que a poesia proporciona. E na contramão da banalidade, vem a pergunta: tudo isso é natural? Pode ser simplesmente aceitável?

O belo “Para ler na escola”, p. 67, valoriza a instituição escolar e, diante do Google e das ferramentas tecnológicas vigentes, o papel do humano continua e continuará a ser essencial na formação de caráter dos indivíduos.

“Californication”, p.71, traz potente crítica social a conceitos como “moderna civilização”, “pós-moderno” e o “pós-tudo.” Mostra a tentativa de postergação do envelhecimento, do embelezamento artificial, com a idealização dos votos em um “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, ao pregar a uniformização dos comportamentos.

Em “É noite”, p.78, um eu lírico do passado, antes da era virtual, aparece no texto, pois “o datilógrafo registrava em linhas / tortas, mais um capítulo da história.”

No crítico “O violino vermelho”, p.82, o eu lírico mostra um mundo cruel com personagens como Hitler, além de Stalin, Churchill, Roosevelt e De Gaulle. Já “Arendt viu os tempos sombrios / Nas fronteiras do velho mundo/ O poeta olhou para o céu/ : Não era o céu de Van Gogh / Stravinsky queria o violino vermelho / Mas era tarde, o mundo / Já estava em guerra”.
“Reflexo”, p.85, faz uma reflexão ambiental sobre a sanha dos homens em buscar o mar, o rio e o mar, mas só encontram “(…)edifícios, shoppings, asfalto / carros, para saciarem sua egotrip”.Da Bahia para o mundo: Teixeira de Freitas nas cartas do poeta Erivan Santana

Os autores Almir Zarfeg e Enelita Freitas prestigiando Erivan Santana

No posfácio ao livro, Almir Zarfeg, presidente de honra da Academia Teixeirense de Letras (ATL), enfatiza a capacidade de Erivan Santana em transitar na prosa e na poesia, simultaneamente.

Cita “um fenômeno geocultural” interessante, pois Erivan não esquece as próprias raízes, tanto que o nome do livro é “Cartas teixeirenses, ba”, mas é ao mesmo tempo um “diálogo entre local/ universal, nacional / internacional, pessoal / interpessoal, presente/ passado, para ficarmos nesses paralelismos”.

É, portanto, um autor universal e antenado com o mundo, como preconizou Ovídio e Ezra Pound, já que as antenas de Erivan estão ligadas vinte e quatro horas.

LUIZ OTÁVIO OLIANI é professor e escritor. Atual Diretor de Comunicação Social da Associação Profissional de Poetas no Estado do Rio de Janeiro (APPERJ). Com intensa produção intelectual, publicou 25 livros, incluindo poesia, conto, crônica, teatro, literatura infanto-juvenil, crítica literária e ensaios. Em 2024, publicou, pela Editora Penalux, “Vozes, discursos e papiros: alguma crítica”. Em 2025, lançou “Eu me sinto um criminoso e outras crônicas” pela Ventura Editora.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui