Criatividade… Como faz falta!

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Por tudo que se vê nesses festejos tipo micareta e outros interioranos que se dizem animados por “trios elétricos” é de acreditar que seu formato está – graças a Deus – em acelerada extinção. A tentativa de se reproduzir nos rincões tupiniquins o carnaval de Salvador, da Bahia é um jeito culturalmente questionável de forçar a padronização da alegria. Esse formato, nas províncias, faz é ampliar o que de pior ocorre na capital: empurrões, “mãos bobas” em atrevidos amassos, pisões, cusparadas, agressões físicas, roubos, assaltos, provocações diversas etc. Tudo isso sob o embalo de misturas alcoólicas com drogas diversas e camuflado sob o ensurdecedor som de lerdas “lagartas mecânicas” que, dentre outros dissabores, deixam no ambiente um tóxico e enjoativo aroma de óleo diesel.

Os “modismos” também têm seu ciclo de vida. Nascem até atraentes, bonitos e agradáveis. Com o tempo, amadurecem e chegam, naturalmente, a seu fim. Mas, por força da insistência em fazê-los sobreviver além do merecido, deturpam-se e aí se deterioram como coisas podres, mal cheirosas que só se prestam à proliferação de “bichos”, em sua maioria, asquerosos. Esse parece ser o caso dos irritantes “trios elétricos”. Nascido simples, fruto da criatividade de Armandinho, Dodô e Osmar, em cima de um automóvel conversível, faziam sucesso executando músicas de bom gosto maximizadas e embelezadas pelo talento dos instrumentistas craques no manejo das cordas. Atrás dele ia uma turba de felizes cantantes e dançantes. Alegravam em coreografia e fantasias as principais ruas, avenidas e ladeiras do encantador centro histórico de Salvador. Era realmente de arrepiar! O carnaval ganhava, assim, uma contagiante e diferenciada atmosfera de som e cores.  Aquele pequeno automóvel virou caminhonete e não tardou a ser caminhão com caixas de som atadas e empilhadas, amplificadores, geradores independentes e até um pequeno espaço com cadeiras para acomodar instrumentistas àquela época mais competentes que famosos. A moda pegou e logo acharam um jeito de converter tudo aquilo em “máquina de fazer dinheiro”: os modestos caminhões de som que se armavam e desarmavam por ocasião da folia foram redesenhados e transformados em monstrengos definitivos, palcos móveis tão alargados que não  cabem mais nas estreitas ruas baianas da capital, tampouco nas do interior, tão elevados que, à distância de menos de cinquenta metros não se sabe quem está lá em cima. Modestos e competentes músicos deram lugar a “bandas”, ou melhor, a “bandos” de cantores e cantoras de talento duvidoso, mas com fama agressivamente forjada nos programas de televisão e noutras mídia. O custo para se acompanhar e bater palmas para esse bando ganhou valores astronômicos. Os organizadores de festas e folias pagam uma grana alta para colocar na rua essas geringonças que arrebentam as redes públicas de eletricidade e telefonia. Com índice de criatividade zero, os produtores provincianos vão nas águas da promoção midiática, revelando sua plena incompetência para inovar, para pensar em formatos alternativos. É a enjoativa mesmice para os sempre dispendiosos eventos.

Superficial análise da Teixeira Folia retrata certa desarmonia entre os palcos móveis (trios) e os palcos fixos, estes últimos emudecidos para não atrapalhar os primeiros. E a pergunta que não quer calar: para que trazer esses desastrados caminhões? Os artistas em palcos fixos são mais bem vistos e apreciados (e mais baratos, certamente!). Podem contar com bons camarins, não correm risco de desastre com a fiação e podem concorrer simultaneamente pela audiência quando em palcos à distância um do outro. Isso é fazer o público se movimentar em busca do quer ver, à distância que lhe for confortável e não obrigado a correr atrás de um palco ambulante, esfregando-se no suor alheio. Com essa franca e educada movimentação entre atrações e palcos, o consumo no comércio de barracas seria mais movimentado, bem como se abriria também a oportunidade de os “barraqueiros” ofertarem suas próprias atrações artísticas. Palcos fixos também permitem disponibilizar mais atrações em menos tempo. Para que três dias de festa? Não seria o caso de trocar quantidade por qualidade? Outra invencionice que nunca deu certo é o tal camarote para dezenas ou até centenas de pessoas. Com todos amontoados no mesmo nível, só têm acesso ao que se passa lá fora os enfileirados na linha de frente. Mais vale resgatar o antigo formato de arquibancadas em desnível.

Por fim, é bom ressaltar a preocupação com a sustentabilidade ambiental para evitar o extraordinário consumo de combustível no deslocamento e na operacionalidade desses monstrengos “trios elétricos”, cujas vantagens são por demais obscuras em qualquer evento, a não ser pela fantasia que lhe vestiram de naves de outro mundo.

*Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico (B.Sc.) pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].