Por Maurício de Novais Reis*
O complexo de Édipo é uma herança oriunda da cultura trágica grega, uma vez que o conceito psicanalítico baseia-se fundamentalmente no enredo da peça teatral escrita por Sófocles cerca de 427 anos antes de Cristo, cujo título é “Édipo Rei”. Nesta perspectiva, para compreendermos apropriadamente o conceito psicanalítico de complexo de Édipo, torna-se necessário que antes conheçamos a história da qual Freud tomou de empréstimo elementos para a elaboração de sua teoria do desenvolvimento psicossexual das crianças. Desta forma, urge compreendermos os elementos subjacentes da teoria psicanalítica cujas raízes encontram-se fortemente emaranhadas no solo arenoso da ficção.
Segundo a tragédia escrita por Sófocles, um oráculo profetizou para Laio, rei de Tebas, que seu filho o mataria e tomaria a própria mãe como esposa. Laio, horrorizado com essa terrível profecia, ordenou que o filho fosse levado a fim de ser criado por outra família real. Todavia, muito tempo depois, Édipo encontrou um homem numa estrada, com quem teve uma desavença, e o matou. Era seu pai, Laio. Posteriormente, Édipo chega a Tebas, que está sendo ameaçada por um monstro terrível, a esfinge, que devora todo aquele que não consegue resolver seus enigmas. Diferentemente dos demais desafiantes da esfinge, Édipo resolve o enigma e derrota a esfinge, que se joga no mar. Assim, Édipo casa-se com a rainha Jocasta sem saber que é sua mãe. Quando descobrem a verdade, Édipo fura os próprios olhos e Jocasta se enforca. Consuma-se, assim, a profecia.
Ao teorizar a respeito do desenvolvimento psicossexual das crianças, trazendo à baila o conceito de libido, Freud produz uma inquietação suficientemente grande dentre seus colegas médicos. Dentre essas inquietações está, certamente, o complexo de Édipo, cuja ideia essencial é tomada da tragédia grega. Certamente, não se pode falar a verdade senão nas malhas da ficção, dizia Lacan. Portanto, a ficção demonstrava implicitamente a existência de um desejo proibido perceptível nas crianças entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica. Assim, podemos afirmar categoricamente, com base nos escritos freudianos, que o complexo de Édipo é um conjunto de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob a forma positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo Rei, a saber: desejo de morte do rival, que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto (v. Laplanche, 1991, p. 77).
Todavia, percebendo que não conseguirá possuir o objeto de seu desejo, isto é, a mãe, e que não poderá eliminar o rival, uma vez que sente por este uma ambivalência que transita entre o ódio e a admiração, a criança acaba por desistir, experimentando a angústia de castração.
O leitor deve estar se perguntando para que serve o complexo de Édipo. Pois bem. O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano. O psicanalista Jorge Forbes costuma dizer que o complexo de Édipo é um “software responsável por atribuir sentido à vida dos seres falantes”. Sem a existência do complexo de Édipo, desaparece o principal eixo de referência da psicopatologia.
*Maurício de Novais Reis, Agente Municipal de Desenvolvimento de Itanhém/BA; professor de sociologia do Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa e especialista em Teoria Psicanalítica / FACEL.