China acelera criação de porcos em ‘fazendas verticais’. E isso afetará preço da carne no Brasil

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País recompõe, em escala industrial, perda provocada pela peste suína africana. Leitões são criados em prédios de até 21 andares. Custo da ração dispara

Dentro da fazenda vertical Guangxi Yangxiang, na China, os porcos são transportados por elevador Foto: Dominique Patton / Reuters
Dentro da fazenda vertical Guangxi Yangxiang, na China, os porcos são transportados por elevador Foto: Dominique Patton / Reuters

Nos prédios, com até 13 andares, a produção é em escala industrial. À medida que crescem e engordam, os leitões mudam de pavimento, subindo ou descendo de elevador. A alimentação é automatizada, há robôs de limpeza de esterco e câmeras infravermelha para detectar qualquer alteração de temperatura nos animais que possa indicar risco de doenças.

A fazenda da empresa Muyuan Foods é o principal exemplo de como os chineses pretendem recompor, em ritmo acelerado, os cerca de 200 milhões de porcos que abateram desde 2018, para controlar a peste suína africana, doença que não afeta os humanos, mas que dizimou metade da produção na China e afetou os mercados agrícolas do mundo inteiro.

Impacto nos preços do Brasil

E, agora, nesta retomada, o efeito também será global. Só nos últimos 12 meses, a importação de milho da China mais do que triplicou, para 26 milhões de toneladas, contra uma média anual de 7,6 milhões antes.

— O porco é a base da proteína no cardápio dos chineses. Eles tiveram perdas muito grandes com a peste africana, e agora estão recompondo esse rebanho de forma industrial. Aliado a isso, aparentemente estão aumentando a compra de grãos também para aumentar seus estoques e ter uma reserva maior por temor de rupturas no fornecimento por causa da pandemia de Covid — diz Luiz Osório Dumoncel, presidente da companhia de agronegócio 3tentos.

Os produtores de porcos na China investiram na criação de porcos em prédios para reduzir os riscos de contaminação Foto: Thomas Suen / Reuters
Os produtores de porcos na China investiram na criação de porcos em prédios para reduzir os riscos de contaminação Foto: Thomas Suen / Reuters

Para o consumidor brasileiro, o impacto será sentido no bolso. Com a forte demanda chinesa por milho e soja, usada em ração animal, sobem aqui os preços não só desses grãos como também de todos os tipos de carne, bovina, suína, de frango, e também dos ovos e do leite.

Nos últimos 12 meses, a cotação da soja na Bolsa de Chicago – referência para este mercado – subiu 80%, para US$ 1.524. No milho, o preço do principal contrato negociado em Chicago dobrou, para US$ 656,50.

Enquanto isso, nos supermercados brasileiros, o preço das carnes em geral subiu 35% nos últimos 12 meses, com alta de 30% na carne de porco e de 32% na alcatra. O frango subiu 14% e o leite, 8%.

Novos alojamentos

Até o mais recente surto de peste suína africana, muitos dos criadouros de porcos na China eram artesanais, chiqueiros nos fundos de quintais com leitões alimentados com lavagem (restos de comida).

Depois do abate de milhares de suínos para conter a doença, o governo passou a incentivar uma produção mais industrializada.

— Eles tiveram escassez por dois anos e recomeçaram de forma diferente. Preocupados com a segurança alimentar, eles passaram a profissionalizar a suinocultura com bastante tecnologia, incentivo do governo e trouxeram a genética de porcos de outros países onde não havia a peste. Também fizeram alojamento novos, alguns com estes prédios — explica o especialista da Consultoria Agro do Itaú BBA, Cesar de Castro Alves.

A peste suína africana não atinge os humanos, mas é letal aos porcos, não tem vacina nem está erradicada.  Nos edifícios de porcos da China, o ar muitas vezes é filtrado, para evitar a disseminação de doenças. A divisão por pavimentos também tem esse objetivo: se houver uma contaminação qualquer, o andar é rapidamente isolado.

Uma das pioneiras neste modelo foi a Guangxi Yangxiang, que criou seus primeiros edifícios em 2017, e ampliou o modelo no ano passado.

Maior condomínio do mundo

Mas o condomínio industrial de Muyuan é de longe o maior do mundo. Começou a ser construído em março de 2020 e entrou em funcionamento em setembro. No auge, irá produzir 84 mil porcos por ano, quase dez vezes o volume de abate de um criadouro convencional nos EUA.

A meta da empresa é produzir mais de dois milhões de suínos por ano. Para isso, pretende investir ainda em 2020 cerca de 40 bilhões de yuans (cerca de US$ 6,2 bilhões) em novas fazendas.

O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa), Ricardo Santin, destaca que soja e milho compõem mais de 70% do custo de produção de aves e suínos no país.  Segundo ele, com o aumento da demanda e a cotação em dólar destas commodities, o custo de produção de frangos e suínos aumentou, em média, 40% nos últimos 12 meses.

— O farelo de soja subiu mais de 60% e o de milho 100%. O aumento do custo faz com que as empresas produzam menos e percam fôlego financeiro. Por Raphaela Ribas e Luciana Rodrigues / O Globo.