Escândalo abala sistema financeiro e expõe laços perigosos com a política em meio a liquidação forçada pelo BC
A prisão do banqueiro Daniel Vorcaro revela mais que um esquema financeiro bilionário: evidencia as conexões perigosas entre o poder político e o sistema financeiro, com consequências que serão pagas por toda a sociedade brasileira. Em uma operação que lembra os grandes dramas financeiros, a Polícia Federal desmontou uma estrutura que misturava carteiras de crédito fictícias, um banco público e uma rede de proteção política que chegava aos mais altos escalões do poder. O caso Master se tornou o maior rombo da história do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), superando até a emblemática quebra do Bamerindus nos anos 1990.
A trama política: As conexões que sustentavam o castelo de cartas
Daniel Vorcaro não construiu seu império sozinho. Por trás do crescimento vertiginoso do Banco Master estava uma teia de influências políticas que cruzava partidos e ideologias, mostrando mais uma vez a promiscuidade entre o público e o privado na política brasileira. Sua estratégia de sobrevivência dependia de um lobby poderosíssimo que atuava nos bastidores de Brasília para proteger seus interesses.
- A trinca do poder: O banqueiro contava com o apoio de Antonio Rueda, presidente do União Brasil; Ciro Nogueira, presidente do PP; e Ibaneis Rocha, governador do Distrito Federal pelo MDB. Essa trinca atuou ativamente para blindar Vorcaro das investigações e aprovar operações que salvariam seu negócio .
- O assalto ao BRB: Com a conivência de Ibaneis, Vorcaro quase conseguiu concretizar uma operação que teria socializado seus prejuízos: a venda do Banco Master ao BRB, banco público do Distrito Federal. A operação de R$ 2 bilhões foi aprovada por 14 parlamentares da base do governador, mas barrada pelo Banco Central em setembro, evitando que um banco público absorvesse os passivos de uma instituição privada à beira do colapso .
- Estratégias de obstrução: Ciro Nogueira atuou nos bastidores para barrar uma CPMI que investigaria o Banco Master em abril deste ano. Além disso, tentou incluir uma “emenda Master” na PEC da autonomia do Banco Central que aumentaria a cobertura do FGC de R$ 250 mil para R$ 1 milhão – justamente o principal produto do banco de Vorcaro.
- Conexões transversais: O banqueiro também contratou o ministro Ricardo Lewandowski para o comitê consultivo do Master assim que ele deixou o STF. O escritório de Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, também foi contratado por Vorcaro, mostrando que suas conexões atravessavam os três poderes.
O mecanismo da fraude: Como funcionava a máquina de dinheiro fictício
A engrenagem fraudulenta que sustentava o Banco Master era complexa, mas seguia uma lógica perversa: criar ativos inexistentes para justificar emissões bilionárias de CDBs com retornos absurdos. O esquema envolvia uma cadeia de empresas de fachada e operações simuladas que enganaram o mercado e, por tempo demais, as autoridades regulatórias .
- A fábrica de créditos: A investigação aponta que o Master utilizava empresas como a Tirreno Consultoria – criada em novembro de 2024 a partir de uma empresa já existente, a SX 016 Empreendimentos – para gerar carteiras de crédito fictícias. A Tirreno não tinha porte para gerar uma carteira de R$ 12 bilhões e não movimentou nem 1 centavo sequer por meios comuns de pagamento.
- O repasse ao BRB: Esses créditos inexistentes foram posteriormente vendidos ao BRB em sucessivas transferências entre janeiro e maio deste ano. Inicialmente, Vorcaro afirmou que havia comprado a carteira de duas associações de servidores públicos da Bahia, depois atribuiu os contratos a pessoas físicas e, por fim, alegou tê-los adquirido da Tirreno.
- Justificativas inconsistentes: Para explicar como uma empresa criada há pouco tempo e sem clientes poderia repassar créditos bilionários, a Tirreno informou que mantinha parceria com a Cartos, uma sociedade de crédito direto. Porém, a Cartos afirmou em nota que “não mantém qualquer operação com o Banco Master”, desmontando a versão oficial.
- A estratégia de crescimento: O Master praticamente dobrou de tamanho ano após ano entre 2019 e 2024. Seu patrimônio líquido saltou de R$ 200 milhões para R$ 4,7 bilhões, enquanto a carteira de crédito avançou de R$ 1,4 bilhão para R$ 40 bilhões. Esse crescimento vertiginoso era sustentado por emissões de CDBs com retornos de 120% a 160% do CDI, muito acima do mercado.
Falhas regulatórias: Onde o sistema de controle desmoronou
Os mecanismos de regulação do sistema financeiro demonstraram falhas graves ao permitir que o Banco Master chegasse à situação de insolvência irrecuperável. Embora especialistas considerem que as instituições eventualmente funcionaram, a intervenção ocorreu tardiamente, quando o rombo já era bilionário.
- Sinais ignorados: Já em maio deste ano, o FGC precisou conceder um empréstimo emergencial de R$ 4 bilhões ao Master, mostrando que o banco não estava gerando caixa. O balanço de dezembro de 2024 também evidenciava problemas: a carteira de crédito era apenas 20% do total do balanço e havia um crescimento absurdo de R$ 36 bilhões em dezembro de 2023 para R$ 63 bilhões em dezembro de 2024.
- Padrão de leniência: Para Alexandre Jorge Chaia, professor do Insper, as falhas de regulação são anteriores ao caso Master e ficaram evidentes em outros episódios recentes, como o problema dos débitos automáticos do INSS, o ataque hacker que desviou cerca de R$ 1 bilhão de instituições de pagamento em julho de 2025 e o envolvimento de fundos de investimento em operações de lavagem de dinheiro do crime organizado.
- Demora na intervenção: Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Febraban, é claro ao afirmar que “está claro que o BC demorou a intervir”. Porém, ele destaca que “o importante é que resolveu e não permitiu a fusão com o BRB”, referindo-se à operação barrada pelo Banco Central em setembro e investigada pela Polícia Federal.
- Pressão política: O episódio da tentativa de compra do Master pelo BRB revelou a intensa pressão política sobre o Banco Central. Deputados chegaram a aprovar a urgência de um projeto de lei que permitiria a demissão de diretores do BC, numa tentativa clara de pressionar pela aprovação da operação.
Impactos e consequências: O preço social de uma fraude privada
O colapso do Banco Master terá efeitos de longo prazo no sistema financeiro e na economia real, com custos que serão distribuídos por diferentes setores da sociedade. É a materialização do que especialistas chamam de “privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”.
- O rombo no FGC: A liquidação do Master consumirá um terço dos recursos do Fundo Garantidor de Créditos, com um impacto estimado em R$ 41 bilhões para cobrir os depósitos de 1,6 milhão de investidores. É o maior resgate da história do FGC, superando o do Bamerindus que, em valores corrigidos, equivaleria a R$ 19,6 bilhões hoje.
- Quem paga a conta: Como explica Roberto Troster, “não foram só os mais de R$ 40 bilhões que o FGC perdeu, há uma série de outros investidores que também perderam recursos”. Ele é enfático: “Todos nós vamos pagar um pouco disso”. Os bancos contribuintes do FGC, especialmente os cinco maiores (Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander), pressionam por mudanças que tornem o acesso a esse sistema de seguro mais restrito.
- Impactos diretos: O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região alerta que a liquidação do Banco Master deve impactar 515 trabalhadores diretamente e 12 milhões de clientes, considerando também os efeitos indiretos sobre o Will Bank, que faz parte do conglomerado Master.
- Efeitos sistêmicos: O caso deve levar a um “frete de arrumação” por parte do Banco Central, endurecendo regras para fechar brechas regulatórias que foram exploradas pelas instituições financeiras. O ambiente de maior competição com a entrada de fintechs e bancos digitais criou um campo fértil para inovações, mas também para irregularidades.
As repercussões políticas e investigativas: O aprofundamento do caso
A operação Compliance Zero não encerrou com as prisões iniciais. Pelo contrário, abriu diversas frentes de investigação que atingem desde o governo do Distrito Federal até a campanha do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, mostrando que as ramificações do caso podem ser ainda maiores.
- CPI no DF: Parlamentares de oposição ao governo de Ibaneis Rocha protocolaram um pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a atuação do BRB e a tentativa de compra do Banco Master. Como afirmou o deputado Gabriel Magno (PT-DF), “a compra do Banco Master articulada pelo governo Ibaneis/Celina era um golpe pronto pra estourar no colo da população do DF”.
- Conexão com Tarcísio: O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, está envolvido em duas frentes de investigação relacionadas ao Banco Master. Seu cunhado, Fabiano Zettel, foi o principal doador individual de sua campanha, contribuindo com R$ 2 milhões. Além disso, a Emae, empresa privatizada por Tarcísio, aplicou R$ 160 milhões em CDBs do Letsbank, que pertence ao mesmo grupo do Master.
- A defesa de Vorcaro: Os advogados do banqueiro afirmam que as investigações “se baseiam em fatos inexistentes” e que as carteiras de crédito “foram previamente adquiridas junto a terceiros que atuavam na originação de créditos”. Eles argumentam que o Banco Central nunca instaurou processo punitivo sobre o tema, apesar de ter conhecimento das operações.
- Prisões preventivas: A 10ª Vara Federal de Brasília e o TRF-1 consideraram que a detenção dos executivos resultaria na interrupção da prática delituosa e na desorganização de uma organização criminosa. Porém, como aponta o advogado Felipe Pessoa Ferro, “se os supostos crimes dependem de atos de gestão das instituições financeiras, não é logicamente sustentável que persistam quando estas mesmas instituições cessam suas atividades por determinação do Banco Central”.
Reflexão final: O sistema financeiro entre a inovação e a regulação
O caso Master representa mais do que uma simples fraude bilionária. Ele explicita as contradições de um sistema financeiro que, por um lado, se abre para inovações e democratização do crédito, e por outro, mantém brechas que permitem esquemas sofisticados de corrupção e apropriação indébita de recursos. A socialização dos prejuízos contrasta violentamente com a privatização dos lucros que caracterizou a gestão de Daniel Vorcaro.
A narrativa de que o Banco Master oferecia retornos acima da média para beneficiar o pequeno investidor revelou-se uma falácia. Na verdade, como mostram as investigações, os maiores investidores eram fundos de pensão e empresas públicas, como a Emae de São Paulo, colocando em risco o patrimônio público e a poupança de milhões de brasileiros. A lição que fica é amarga: a regulação precisa correr atrás da inovação, mas sem abandonar seu papel fundamental de proteger o sistema e os cidadãos.
O caso também evidencia que a solidez do sistema financeiro não depende apenas de balanços e índices de capitalização, mas também da integridade dos gestores e da independência das autoridades regulatórias. A resistência do Banco Central em autorizar a venda do Master ao BRB, mesmo sob intensa pressão política, mostra que instituições fortes são essenciais para conter os excessos do mercado e a ambição desmedida de banqueiros inescrupulosos. Por Alan.Alex / Painel Político.


