Exmo. Senhor Presidente.
Minhas cordiais saudações.
Permita-me V. Exª. que me expresse sem a formalidade que o cargo exige.
Esta é uma carta formal, ao estilo Heráclito Sobral Pinto, de quem milita na justiça há quase meio século. Em 1958, estudante do curso clássico, fomos assistir a uma palestra do Ministro Nelson Hungria, no auditório da Rádio Sociedade da Bahia, na rua Carlos Gomes. Ao final, ele nos exortou para seguirmos para o interior. Depois de formado atendi seu conselho. Fui aluno de eminentes professores, entre os quais: Ministro Amarilio Benjamim, Josaphat Marinho, Ajax Baleeiro, Manoel Ribeiro, José Martins Catharino, des. Aderbal Conçalves, Clovis Spinola, e outros mais. Formado, abri escritório na cidade de Itanhem, que pertencia às comarcas de Caravelas e Prado. Era verdadeira aventura se chegar até elas. Com pouca mais de 120 Km, dez horas eram necessárias para alcançá-las, em estradas carroçáveis, apenas trilhas abertas pelos madeireiros. Chegou no governo Lomanto Junior. Caravelas caiu de 3ª para 1ª. De lá saíram juízes que foram desembargadores: Adalicio Nogueira, Dermeval Belucci e Ivete Caldas. De Alcobaça os Pretores Jayme Bulhões e Vanderlin Barbosa. Do Prado Maria José Sales e de Itanhem Antonio Lima Farias. Achiles Siquara Filho foi Procurador. O Extremo Sul, por ser o patinho feio, longe, muito distante da capital, muito tem sofrido com os poderes constituídos, inclusive com a Justiça. Durante muito tempo serviu de desterro como castigo, punição, aos juízes, entre os quais o Dr. Olival Silva, de Barreiras para Caravelas, Dr. Nivaldo Wanderley de Omena Cotegipe para Medeiros Neto, Dr. Osvaldo Pereira de Gandu para Itanhem. Todos ex-oficio. Teixeira de Freitas, hoje com apenas vinte seis anos de emancipação é uma das dez mais importantes cidades da Bahia, com quase 100.000 eleitores. Mas para atender tal contingente de habitantes (158.000), conta com apenas TRÊS (03) JUIZES, que são encarregados dos mais diversos labores: ELEITORAL, CIVEL, CRIMINAL, EXECUÇÕES PENAIS, JUIZADO ESPECIAL CIVEL E CRIMINAL, INFANCIA E JUVENTUDE. O ano contém 365 dias, dos quais 104 são domingos e sábados, reduzindo para 261. Seguindo-se as férias, feriados, semanas Santa, do Carnaval, da Pátria, além dos feriados locais sobram mais ou menos 184 dias úteis para os magistrados. A cidade tem duas faculdades de direito, com mais de quatrocentos advogados militando. Dotada de Varas da Justiça Federal e do Trabalho. Com a instalação do sistema virtual, em pouco mais de vinte dias, mais de 120 processos foram autuados, apesar das dificuldades de acesso pelo complexo sistema. Não se faz necessário ser um Malba Tahan para simplesmente calcular quanto poderá produzir cada juiz. Se dispuserem de 8 horas dos 184 dias, terão 1.472 horas, que distribuídas aos Drs. Roney Moreira, Argenildo Fernandes e Marcus Aurellius, serão 490 horas para cada, ou seja, pouco mais de vinte dias. Com o número avassalador de processos, os mais díspares, será humanamente impossível produzir, atendendo os anseios dos jurisdicionados. A atual Organização Judiciária estabeleceu 14 juízes para a comarca. Como conciliar tal distorção? O Ministro Gilson Dipp disse que no Brasil existem três tipos de justiça: “a boa, a ruim e a da Bahia, sendo que a da Bahia para ficar ruim tem que melhorar muito”. A Bahia sempre chega por último, foi a última a extinguir as Pretorias e também a última a privatizar os cartórios. Apesar de ser o primeiro lugar onde os portugueses aportaram, (Porto Seguro), o extremo sul é o último em tudo. Provavelmente, por estarmos próximos ao mar, ficamos literalmente a ver navios. Li outro dia que determinado advogado, ante a demora do juiz em despachar seus processos, implorou pela presença divina para que o fizesse. Não chegarei a tanto, pois estou velho demais, já alquebrado e cansado aguardando tão-somente a chegada de thanatus. Ruy Barbosa dizia que Justiça tarda não é Justiça. Frequentei os escritórios de Dr. Renato Franco e de Dr. José Alfredo de Campos França, velhos amigos que muito me ensinaram. Senhor Presidente, não leve como agravo o desabafo de quem muito percorreu os caminhos da justiça e hoje se sente desiludido de tanta inércia e descaso por uma região tão rica, promissora, de gente trabalhadora. Peço apenas, já que pedir faz parte da profissão ao encerrar suas petições, com o indefectível: P.D, que V. Exª. devote todo o empenho para que a comarca seja dotada de melhores instrumentos jurisdicionais, para não sobrecarregar os Três Mosqueteiros, que jamais se cansam em medir esforços para exercer o sacerdócio que escolheram, com destemor e exação. Encerro pedindo (requerendo) tenha compaixão dos intimoratos e insulares magistrados que não medem esforços para atender ao sofrido povo de Teixeira de Freitas. Aos 77 anos, sinto-me deveras cansado e desiludido. Cordialmente.
*Ary Moreira Lisboa é advogado e escritor.