Brasileiros em pânico nos EUA deixam de frequentar cultos e até supermercados

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Muitas dessas pessoas, que haviam se acostumado a uma rotina estável, agora cogitam voltar ao Brasil diante da escalada de operações de deportação

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

247 – A crescente tensão entre imigrantes brasileiros nos Estados Unidos tem sido palpável, especialmente após a posse de Donald Trump e suas recentes políticas de imigração. Segundo a BBC, que ouviu relatos da comunidade, o clima de incerteza e medo tem se intensificado nas últimas semanas, com muitos brasileiros em situações regulares e irregulares se sentindo ameaçados pelas novas medidas do governo republicano.

O influenciador mineiro Junior Pena, que tem mais de 1 milhão de seguidores no TikTok e reside nos Estados Unidos há 15 anos, afirma que sua caixa de mensagens está repleta de relatos alarmantes de famílias brasileiras. Muitas dessas pessoas, que haviam se acostumado a uma rotina estável, agora cogitam voltar ao Brasil diante da escalada de operações de deportação. “O medo é geral. As pessoas estão com receio até de sair de casa e estão mudando sua rotina de forma drástica”, relata Pena.

Desde a posse de Trump, em 20 de janeiro, o governo americano tem implementado uma série de medidas que afetam diretamente a imigração. Uma das mais preocupantes é a flexibilização das detenção de imigrantes em espaços considerados seguros, como igrejas, escolas e clínicas. Além disso, agentes de várias esferas do governo, como policiais do Departamento Antidrogas e os Marshals, receberam ordens para atuar na captura de imigrantes sem documentos.

Essas medidas têm gerado um impacto direto em ambientes frequentados pela comunidade brasileira, como mercados e igrejas evangélicas. Em relatos ouvidos pela BBC News Brasil, membros da comunidade afirmam que muitos cultos estão significativamente mais vazios, com o medo de que alguém possa ser detido durante o evento. “Os cultos estão bem mais vazios, as pessoas estão com medo até de ir para a Igreja”, conta Fernanda*, uma estudante brasileira de teologia que vive em uma das cidades americanas com maior concentração de imigrantes brasileiros.

Embora o governo de Trump tenha afirmado que suas operações visam especificamente imigrantes “criminosos”, muitos brasileiros temem que o chamado “dano colateral” — termo utilizado para descrever a prisão de imigrantes sem antecedentes criminais — se torne uma realidade cada vez mais presente. “As pessoas estão bem assustadas e com muito medo. Se você estiver no lugar errado, na hora errada, vai acabar sendo pego”, afirma Ricardo*, brasileiro que também atua como influenciador e tem acompanhado de perto a situação de seus seguidores.

De fato, essa sensação de insegurança é reforçada por episódios como o ocorrido na cidade de Newark (Nova Jersey), onde, segundo o prefeito Ras Baraka, agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) realizaram prisões sem mandado de busca, levando tanto imigrantes sem documentos quanto cidadãos americanos. Outro caso alarmante foi o de uma mulher venezuelana, detida enquanto aguardava uma audiência para regularizar seu status migratório.

A ordem do governo de Trump de deportar imigrantes ilegais, incluindo aqueles sem antecedentes criminais, tem gerado ainda mais apreensão. Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, afirmou recentemente que “qualquer pessoa que tenha migrado irregularmente para os EUA é um criminoso”. As palavras de Leavitt apenas aprofundam o temor generalizado entre os imigrantes, que temem que a definição de “criminoso” seja ampliada e atinja trabalhadores que nunca tiveram problemas com a justiça.

Para muitos imigrantes, as novas políticas significam uma vida de constantes precauções. “A orientação dos advogados é não frequentar lugares com grande concentração de imigrantes, como mercados brasileiros ou festas de imigrantes. Temos que tomar cuidado para não acabar sendo levados sem querer”, diz Rafael*, um brasileiro que vive na Flórida e está no processo de regularizar sua situação.

Mesmo para aqueles que têm os documentos em dia, a ansiedade é palpável. Fernanda, que além de estudar teologia também vende comida brasileira em Massachusetts, diz que tem evitado frequentar lugares públicos e até diminuiu sua presença nas atividades da igreja. “A gente nunca sabe o que pode acontecer”, comenta, refletindo sobre a insegurança vivida pela comunidade.

Junior Pena, conhecido por sua presença nas redes sociais, tem orientado seus seguidores a evitarem chamar atenção. “Eu digo para dirigir no limite de velocidade, não furar o sinal vermelho”, alerta. Pena, que também trabalha na construção civil e vive nos EUA sem documentos, revela que, mesmo estando há 15 anos na mesma situação, nunca enfrentou uma sensação de medo tão forte. “Eu tinha viagem marcada para o Alasca, mas não vou mais. Não é o momento para arriscar.”

Essa instabilidade também tem afetado a vida religiosa da comunidade brasileira. Algumas igrejas, como em Nova York, chegaram a colocar avisos nas portas informando que o ICE não pode entrar nas dependências sem uma ordem judicial. Para os imigrantes em situação irregular, essas medidas simbolizam uma tentativa de resistência contra o clima de opressão instaurado pelas novas políticas de imigração.

O clima de “terror psicológico”, como descreve Pena, tem sido vivido por muitos brasileiros que, mesmo estando longe de casa, sentem-se presos em um cenário de incertezas. A combinação de operações de deportação e a possibilidade de serem levados de surpresa têm gerado pânico. “Muitas pessoas estão só esperando o momento de ir embora. Não sabem mais o que fazer”, afirma um brasileiro em uma mensagem enviada à BBC News Brasil.

Enquanto isso, outros imigrantes, como Igor*, residente em Utah, minimizam a situação e apontam que o pânico é exagerado. “Para mim, não mudou nada desde a chegada de Trump. Está tudo igual”, comenta. Para ele, as notícias de blitzes e operações são exageros em grupos de WhatsApp, muitas vezes não confirmadas.

No entanto, para muitos outros, o impacto das novas políticas é inegável, e o medo de que a vida como a conheciam seja interrompida a qualquer momento é real. As próximas semanas prometem ser decisivas para a comunidade de imigrantes brasileiros, que, em sua maioria, ainda tenta entender os reais efeitos das novas ordens executivas e se ajustar a uma realidade que, para muitos, parece cada vez mais incerta.

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