“Eles procuravam alguém que defendesse sua pauta e encontraram Bolsonaro, que não era a opção ideal”, afirma Camila Rocha, em entrevista ao Opera Mundi

Camila Alvarenga, Opera Mundi – No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta segunda-feira (20/09), o jornalista Breno Altman entrevistou a cientista política e autora do livro Menos Marx, mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil (Editora Todavia), Camila Rocha, sobre a origem e a natureza do bolsonarismo. Ela rejeitou que Bolsonaro seja fascista. Em vez disso, disse que o bolsonarismo se trata de um “libertarianismo reacionário”, isto é, se baseia na ideia de que a liberdade individual é o valor principal que deve reger todas as relações sociais, econômicas e políticas. E é reacionário porque quem desfruta dessas liberdades individuais é uma classe pequena de pessoas que colocam seu bem-estar pessoal acima do bem-estar coletivo.
“Os eleitores de Bolsonaro inclusive gostam dele porque ele fala aquelas coisas que as pessoas não têm coragem de falar porque sabem que prejudicam a coletividade. Ele fala para não usar máscara, para não se vacinar. Bolsonaro dá vazão aos piores pensamentos das pessoas”, exemplificou.
Assim, o bolsonarismo não se associa de forma automática ao liberalismo, sendo também uma versão mais reacionária dessa ideologia econômica. De acordo com Rocha, houve um encontro entre os defensores do neoliberalismo e Bolsonaro: “Eles procuravam alguém que defendesse sua pauta e encontraram Bolsonaro, que não era a opção ideal. É um casamento frágil porque Bolsonaro e seus filhos não são adeptos do liberalismo. Ele pode se livrar de Paulo Guedes quando quiser”.
“Quando a gente fala em nacionalismo, vem à cabeça um nacionalismo econômico e Bolsonaro disso tem muito pouco. Seu nacionalismo fica nos símbolos patrióticos, a bandeira, as cores, as Forças Armadas, para construir uma imagem. É um discurso nacionalista que fica no plano do imaginário, não na prática política”, explicou.
A cientista política identifica as origens do bolsonarismo em 2011, “quando Bolsonaro começou a campanha contra o ‘kit gay’”, se aproximando de Olavo de Carvalho e começando a reunir apoiadores para além da base que ele já possuía das Forças Armadas.
Naquela época, o ex-capitão já era contra a CNV, o que abriu um diálogo com as Forças Armadas, hoje o grupo mais beneficiado por seu governo, o que Rocha classificou como “preocupante”.
“Mas acho que o ponto de virada [para Bolsonaro] foi em 2014, quando ele se elegeu deputado com quatro vezes mais votos do que havia conseguido nas eleições anteriores. E aí, durante as manifestações contra a presidenta Dilma, ele se consolidou como uma força de oposição”, discorreu.
Conforme Bolsonaro foi ganhando força, ele foi expandindo sua base, inclusive conseguindo apoio entre camadas mais populares. Rocha analisou o cenário da época e listou três pontos chaves em seu discurso que permitiram esse crescimento.
Em primeiro lugar, a Operação Lava Jato e o antipetismo foram fundamentais, pois possibilitaram que o presidente adotasse o discurso do combate à corrupção, “central nas camadas populares, porque elas se sentiam traídas pelo Partido dos Trabalhadores e viam Bolsonaro como a única pessoa capaz de fazer esse combate”.
O segundo ponto se trata da segurança pública, questão incluída nas promessas de campanha de Bolsonaro com a liberação das armas, “algo que pegava muito porque essas pessoas viviam com medo e Bolsonaro seria quem traria a ordem”.
Falha da esquerda
Mas o que permitiu o surgimento de um discurso antissistema? Para Rocha, falhas da esquerda. Ela defendeu que houve uma desconexão entre as lideranças políticas e a base, “e a hora que a população sente esse elo rompido, acabou. Se você não conversa e constrói junto à base, não tem como nenhum governo de esquerda dar certo, abre brecha para um novo discurso”.
Além disso, a cientista política argumentou que as políticas populares do PT geraram ressentimento entre a classe média, que ficou com a sensação de que não recebia nada do governo, de que não havia políticas voltadas exclusivamente para ela.
“O que acontece é que a classe média é formada por liberais e o pensamento é de que eles são pessoas corretas, que pagam seus impostos e, então, o mínimo que o governo deveria fazer é usar bem o dinheiro do imposto que pagam. Se tem corrupção, por que pagar o imposto e ainda continuar apoiando o governo? Se tem o Bolsa Família, por que eles não recebem coisas também? As pessoas se sentem muito atingidas porque em alguma medida identificam que o dinheiro do Estado é o dinheiro delas”, ponderou.
Mesmo pessoas que ascenderam durante os governos petistas e foram atendidas por programas do governo, como o ProUni, também se sentiram desatendidas, “por uma questão da falta de comunicação do governo e pelo esvaziamento da esquerda nos espaços”.
A crise foi outro fator, na visão da cientista política. Passou-se a ter menos empregos de qualidade e aumentou a competitividade, graças à entrada de mais profissionais capacitados no mercado, fruto das políticas de acesso à universidade. “Isso gerou um acirramento político”, afirmou.
Para combater o bolsonarismo, ela acredita que a esquerda deve adotar também uma estratégia antissistema, mas de natureza socialista e libertária. Rocha não descarta, contudo, uma aliança com o liberalismo democrático.
“Não são opções mutuamente excludentes. Do ponto de vista tático, é possível, num momento específico, se aliar para tirar o Bolsonaro do poder. Uma vez isso tendo ocorrido, você volta a disputar o espaço”, concluiu.