Baixinho pelo Sul

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1ª parte – Não fazia mês que Baixinho curtia sua aposentadoria por tempo de serviço. Solteiro, sem família a sustentar, nem mais compromissos acadêmicos, só pensava em sacar fotos (slides), em lugares por ele ainda não visitados. Nunca estivera no Uruguai, tampouco na Argentina. Planejava uma viagem a essas bandas, de automóvel, a partir de Brasília. Adquiriu um carro novo, do tipo van, que comportava colchonete de casal no bagageiro com o banco traseiro rebatido. No sufoco, pernoitaria no carro mesmo, em camping ou fazenda.
Evoluía um namoro com Nária, mulher madura, já na faixa dos 40. Viúva e sem filhos, aproximava-se bem do perfil de companheira de viagem desejado por Baixinho. O falecido esposo de Nária, conhecido agente da polícia federal, fora tombado em combate na fronteira com o Paraguai, quando enfrentava traficantes de drogas. Seu parceiro de luta naquele mesmo episódio, Noel, irmão de Nária, foi quem lhe providenciara os primeiros socorros.
Nária, bonita, de bom papo, amava ambientes rústicos e não dependia de Baixinho para compras e eventuais extravagâncias consumistas. Vivia de uma gorda pensão de falecido.
Durante o tempo em que se davam mutuamente para melhor conhecimento e entrosamento, assistiam juntos, quase que diariamente, a projeções de slides, sorvendo vinho ou drinques originais que cada um elaborava. Disputavam qual o mais agradável em cor e sabor. Além da companhia, do jeito amável do Baixinho, das músicas orquestradas que permeavam os momentos amorosos, Nária foi aprendendo a gostar e entender também de fotografia.
Manhã ensolarada de setembro quando ganharam a estrada. Não sem antes combinarem a divisão igualitária das despesas de hospedagem e restaurantes. Pernoitaram em Ribeirão Preto/SP, curtindo, como de praxe, a choperia Pinguim. Dia seguinte, evitando a capital paulista, chegaram a Curitiba, já no fim do dia. Hospedaram-se no Hotel Del Rey, já conhecido de Baixinho quando de sua venturosa paixão por Lana (vide crônica: “Baixinho e Lana”). Ainda relembrando Lana, jantaram fondue no Petit Château, em Santa Felicidade, reconhecido bairro gourmet curitibano.
Sol brilhante, sem neblina, horizonte infinito. Tempo adequado para fotos da natureza. Pegaram a Litorina rumo a Paranaguá. O maquinista, notando Baixinho bem apetrechado com equipamentos fotográficos, colaborou, adicionando paradas não previstas e prolongando as comuns, especialmente nos picos e vales neblinados da Serra da Graciosa.
Saindo de Curitiba pernoitaram em Florianópolis (Floripa), onde, às margens da Lagoa da Conceição, jantaram no Barba Negra um inesquecível prato de camarão com polvo.
De volta à estrada, passaram ao largo de Porto Alegre, para alcançar Pelotas ainda com a luz do sol. Por lá, simplesmente jantaram no próprio hotel (a sobremesa de figo rami flambado ao conhaque estava supimpa!) e descansaram, buscando a cama mais cedo.
A jornada seguinte foi dirigir até Montevidéu. Saíram bem cedo, logo após o café da manhã, tipo seis e meia. Já nas planícies uruguaias, Baixinho parou algumas vezes para fotografar paisagens, fazendas, campos etc. Chegaram em Montevidéu com o dia escuro. Hospedaram-se no Regency Golf Hotel Urbano, na região de Punta Carretas. Por lá ficaram durante três dias.
Visitaram museus, o Teatro Solís, parques e shoppings. Almoçaram um delicioso e típico churrasco uruguaio no Mercado del Puerto, onde, segundo Baixinho, come-se e fica-se defumado com o fumacê das grelhas. À noite do terceiro dia, curtiram tangos e danças no Baar FunFun, sorvendo o famoso licor “Uvita” e beliscando tradicionais tira-gostos. Registraram aqueles momentos com algumas fotografias internas. Lá, conheceram Airton Costa, que se aproximou e se apresentou como agente de turismo brasileiro, residente em Montevidéu. Falante e alegre, contou piadas, falou sobre sua família e outras coisas. Trocaram informações pessoais: de onde vem, para onde e quando vai etc. Ao encerrar a noitada, Airton fez questão de compartilhar as despesas da mesa e pediu carona. Sua residência ficaria nas proximidades do Golf Hotel.
Ainda na frente do hotel, Airton informou a Baixinho que as luzes traseiras de freio de seu carro estavam sob mau contato: acendendo e apagando. De imediato, ofereceu-se para sanar aquele problema, de natureza simples. Pediu para abrir o bagageiro. Necessitaria de uma chave de fenda tipo “estrela” para abrir o forro lateral e ter acesso à fiação. Nisso parou um motorista e ofereceu ajuda. De pronto trouxe uma maleta de ferramentas. Abriram, restabeleceram as conexões elétricas e recolocaram o forro com rapidez de especialistas.  Trocaram gentilezas, agradecimentos e despedidas.
Pela manhã, fecharam a conta do hotel e, exaustos, embarcaram no ferry do Buquebus que faz a travessia de passageiros e automóveis de Montevidéu a Buenos Aires. Poucas foram as fotos tomadas por Baixinho durante essa travessia. Derrubados pelo cansaço, cochilaram no próprio carro durante quase toda a travessia.
Aportaram numa extensão do Porto Madero, próximo à avenida Córdoba. Enfrentaram uma pequena fila para as providências de praxe de ingresso no país, junto às autoridades de fronteira. Foram sorteados para inspeção da bagagem. (continua…)
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. E pensador por opçã[email protected]