Baixinho pelo Sul

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(…continuação) Cães da polícia antidrogas latiam e farejavam insistentemente o bagageiro do auto de Baixinho. Por isso, foram retidos no pátio destinado à fiscalização minuciosa e ao questionamento de passageiros. Verificada em detalhes malas, valises, bolsas e sacolas removidas do carro, nada de irregular encontraram.
– Por favor, acompanhe-nos no procedimento de verificação do auto! Os cães continuava a indicar algo estranho sob a lateral do bagageiro. Os policiais desparafusaram as peças plásticas do forro e lá encontraram quatro pacotes. Levados a uma sala reservada, retiraram pequenas amostras do pó branco embalado nos pacotes. Testes revelaram ser cocaína.
– Lamentavelmente, vamos ter que deter o casal para exames corporais e investigação.
Lá se foram para exames de urina, sangue e imagens radiográficas. A irritação do casal – embora contida – atingia níveis insuportáveis. Felizmente, até aquele ponto nada de anormal ou comprometedor.
Submetido a interrogatório, Baixinho mostrou seu crachá de auditor da previdência social brasileira. Indicou endereços, nomes de pessoas e telefones para confirmação de sua vida pregressa, longe das páginas policiais. Esclareceu minuciosamente seus passos e deslocamentos antes do início e após pegar a estrada. Detalhou a história do automóvel desde a aquisição. Sobre pessoas com quem estivera, ressaltou a figura de Airton Costa, conhecido em Montevidéu na véspera de sua travessia. Foi quem lhe ajudara a consertar as luzes de freio do carro. Pronto!
– Eis o maior suspeito de ter plantado os pacotes em seu carro quando fingia estar corrigindo defeito elétrico.
– Posso fazer um retrato falado desse cidadão ou tentar reconhecê-lo em fotografias sacadas no interior do Baar FunFun. Basta revelar urgentemente meus diapositivos.
– Tudo bem! Providenciaremos a revelação. Mas, o casal não poderá ser liberado enquanto não concluirmos sobre sua absoluta inocência. Enquanto isso, interrogaremos sua companheira.
Questionada, Nária deu informações coerentes com as do Baixinho. Acrescentou, todavia, ser viúva e irmã de policiais federais ligados às ações de combate ao tráfico de drogas nas fronteiras do Cone Sul. Ao citar seus nomes, o imbróglio mudou de figura. Os policiais citados por Nária eram por demais conhecidos como confiáveis agentes da lei, chegando a ser parceiros diretos dos inquisidores argentinos em algumas missões.
Revelado o filme de diapositivos de Baixinho, foi possível, em três slides, reconhecer o cidadão que se autodenominara Airton Costa. Ao consultar o álbum policial de meliantes, ficou certo tratar-se do traficante “Colito”, manjado pela polícia argentina. Sempre inventando treita para burlar os controles policiais de fronteira. Os policiais acrescentaram:
– Sorte de vocês, ao serem parados! O braço argentino dessa gente costuma assaltar, roubar o veículo e até assassinar seus ocupantes, para resgatar a droga nele plantada.
Já era fim do dia quando Baixinho e Nária foram definitivamente liberados. Acomodaram-se no Hotel El Conquistador, na região central de Buenos Aires. Cansados, dor de cabeça, nada mais fizeram que tomar um lanche no apartamento e adormecer ao som de músicas suaves.
Acordaram aparentemente com as contrariedades superadas. Propositadamente, esqueceram o carro na garagem do hotel. Propuseram-se deslocar a pé e de táxi. Foram às compras na Calle Florida. Esticaram os passos até a Plaza de Mayo, fotografaram a Casa Rosada. No retorno, sacaram fotos do obelisco e almoçaram no Restaurante Natasha, na esquina próxima ao hotel. Saborearam um delicioso “bife de costilla”, no corte mariposa. Recuperaram o ânimo, após um saudável cochilo. À noite, curtiram um show de tangos, compartilhando a mesa com um casal conhecido de Brasília, casualmente por lá.
Combinaram passeio de barco no delta do Rio Tigre, juntos, para a manhã seguinte. Foi uma boa oportunidade para fotos da natureza. Ao cair da tarde e início da noite, fizeram um tour pelo Puerto Madero. Jantaram bife de chorizo, uma das preciosidades gastronômicas portenhas, acompanhado por vinho malbec de Mendoza.
Dormiram tão bem que nem viram o sol nascer tampouco expirar o prazo para o café da manhã. A pedido de Nária, percorreram a Avenida Córdoba para compras em outlets. Pela tarde, ainda com sol, visitaram o Caminito, famoso reduto de casario antigo, no bairro La Boca. Baixinho deslumbrou-se com o colorido e as fachadas das casas. Deu trabalho à sua câmera. Baixinho costumava declarar ter sido esse o ponto alto de sua viagem ao sul.
Iniciaram seu 14º dia de viagem partindo de Buenos Aires rumo a Foz do Iguaçu, no Brasil. Após rodados mais de 700 quilômetros, pernoitaram em Paso de Los Libres, cidade vizinha à gaúcha Uruguaiana. Poucos motivos, poucas fotos.
Dali seguiram para Foz do Iguaçu. Descansaram e ainda cedo foram conhecer e fotografar as Cataratas do Iguaçu. Baixinho esgotou seu estoque de filmes. Visitaram à tarde, a Ciudad del Leste, no lado paraguaio, onde compraram mais filmes e pequenas lembranças para amigos e parentes. Não
perderam a oportunidade de também conhecer a barragem e o lago de Itaipu. Retornando às estradas brasileiras, tomaram o rumo de Brasília, pernoitando em Marilia/SP e Uberlândia/MG.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. E pensador por opçã[email protected]