Baixinho no emprego

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Por Roberio Sulz*
Nossa turma no Rio, com idade entre 16 e 18 anos, extravasava alegria quando junta. Poucos, não passávamos de uma dúzia. Diariamente um esperava o outro para almoço no bandejão do famoso e saudoso Calabouço (Restaurante dos Estudantes).
Um dia, a novidade foi o recente emprego de Baixinho, arranjado por um tio funcionário do IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários), como presente por seu 18º aniversário. Foi trabalhar na famosa banca de advocacia do dr. Adriano Seccaro, especializada em direito trabalhista e previdenciário. Ocupava um conjunto de quatro salas num prédio da Rua Araújo Porto Alegre, próximo às sedes dos institutos de aposentadoria da época.
Tinham assento no escritório – com boa carteira de clientes empresariais – além do Chefe, três advogados. Baixinho entrou para compor o time de apoio: uma datilógrafa, uma secretária, um auxiliar geral que cuidava da limpeza, do cafezinho e um estafeta (office boy) para os serviços de rua.  Baixinho fora remetido à função de interface, dantes inexistente naquele contexto, ou seja, providenciar a execução das demandas do chefe e dos advogados. Sobrando-lhe tempo, ajudava nos serviços de datilografia, na montagem dos processos e petições e no acompanhamento das matérias de interesse do escritório, pelo Diário da Justiça.
Atualizava-nos diariamente sobre seus aperreios e alegrias no novo emprego. Dizia – e não tínhamos como duvidar – ser muito bem quisto por todos. Principalmente pelo toque de humor que costumava dar às situações – pensávamos nós.
Contudo, desde que lá chegou, não conseguiu bons laços de simpatia com dr. Lélio, advogado, genro do chefe. Julgava-o malandrão. Raramente aparecia no escritório e, quando assim ocorria, era para se refastelar na cadeira almofadada, colocar os calcanhares sobre a mesa e namorar aos cochichos, pelo telefone. Fazia o tipo “almofadinha pegador”. Sempre bem vestido, perfumado, barbeado, cabelos rigorosamente penteados, sapatos no brilho etc.
Parecia viver na moleza, certamente à custa do sogro. E pior, traindo descaradamente a esposa. Um bagulhaço, no juízo de Baixinho, para justificar tamanha traição. Dr. Lélio tripudiava sobre nosso amigo. Humilhava-o, a pedir-lhe água, café e serviços sem importância. Baixinho fazia-lhe ouvido de mercador. Contava com o respeito e a especial atenção recebida do Chefe, dr. Adriano.
Mais tarde, ficaria sabendo que dr. Lélio ostentava toda aquela pompa em razão de transitar facilmente junto a autoridades, gestores e advogados dos institutos de aposentadoria, onde granjeava vantajosos acordos para os clientes do escritório.
Com meses por lá, Baixinho já não se limitava às relações internas do escritório. Acompanhava o chefe em diversas atividades externas, inclusive, em palestras, debates reuniões etc. Para formalizar-se nos trajes, comprara dois paletós (blazers) e gravata borboleta, sempre guardados no próprio escritório.
Essa proximidade com o chefe em nada agradou ao genro advogado. Pior, ainda, quando Baixinho passou a integrar o universo dos convidados às recepções sociais na residência do dr. Adriano. Na primeira dessas ocasiões, ficou conhecendo dona Rosa, a matriarca da família, bem como Ladice, a desmerecida esposa do dr. Lélio. Ao contrário de seu prejulgamento, Ladice era dama provida de irreparáveis elegância, beleza, educação e polidez. De porte nada maior que Baixinho, exalava inebriante perfume, vestia um costume de saia e blusa em tecido acetinado, creme claro, colar de pérolas e pulseira de ouro. Femininamente atraente.
Notando Baixinho deslocado naquele ambiente, Ladice resolveu lhe dedicar atenção, no que foi retribuída com um papo solto, alegre, popular, entremeado de boas anedotas. Bem diferente das falas formais e desenxabidas predominantes no evento. Ladice caiu na sua graça, fazendo-lhe companhia até se despedirem com troca de afetuoso abraço e beijinhos sociais.
O afeto mútuo evoluiu gradualmente, alimentado por furtivos encontros e telefonemas para Baixinho, nos quais Ladice disfarçava sua voz. No escritório, as frequentes ausências vespertinas de Baixinho para serviços externos no fórum já davam o que falar.
Embora discretos, foram obrigados a reduzir a frequência dos encontros e redobrar cautela com os olhares abelhudos e investigativos. Não bastaram cuidados, a fofoca permeou o escritório e chegou aos ouvidos de dona Rosa. Da parte do dr. Lélio, nenhuma alteração em seus hábitos. Se ficou sabendo, nem ligou.
Ambos ganharam um solene puxão de orelhas da matriarca. Baixinho passou a ser evitado nos eventos com a presença de Ladice e dr. Lélio. Contudo, foi mantido no emprego, em razão de seu bom desempenho profissional. Trabalhou com o dr. Adriano Seccaro até concluir seu curso de direito e ser aprovado em concurso público para fiscal do IAPC – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários.
Dr. Lélio, por suas estripulias mundanas, contraiu moléstia contagiosa que o levou a irreversível internação em clínica médica. Ladice conseguiu, sob o poder financeiro e a influência social do pai, anular seu casamento.
Baixinho continuou por um bom tempo seus encontros eventuais com Ladice. Todavia, nunca levados a nível de compromisso.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. E pensador por opçã[email protected]