Por Roberio Sulz
Meus encontros com o amigo Baixinho pareciam programados, mas – acreditem – eram puramente acidentais. Encontramo-nos certa vez em Sete Lagoas/MG, eu ministrando juntamente com o professor Valdeci Pereira um curso de curta duração sobre metodologia de pesquisa para colegas da Embrapa e da Epamig e ele também à frente de um treinamento para funcionários da Previdência Social. Hospedávamos no mesmo hotel no centro. Era verão, com dias bem mornos, o que tornava nosso trabalho mais cansativo. Como alívio do fardo, aproveitávamos as vesperais para a prosa descontraída, a bebericar e saborear petiscos em barzinhos na margem da linda lagoa central da cidade.
Não faltou oportunidade para que Baixinho me contasse mais uma de suas peripécias. Esta, à época, a mais recente, dada durante seu deslocamento aéreo até Belo Horizonte (desculpem-me, mas nunca beagá). Avião meio vazio – claro – buscou sentar-se vizinho a uma bela e perfumada jovem, aparentando trinta anos. Cabeleira negra, lisa e brilhante, contida para trás da cabeça por uma tiara improvisada por lindo lenço amarelo com discretos risquinhos casuais marrons. Os cabelos caíam-lhe delicadamente sobre os ombros, contrastando poeticamente com a blusa beije. Baixinho nem precisou de argumento para puxar conversa. Os sorrisos trocados durante os remelexos na busca e colocação dos cintos de segurança, sempre pouco acessíveis e indefinidos para cada passageiro, ajudou o entrosamento.
Nome daqui, nome de lá, onde trabalha, para onde vai, fazer o quê e outras perguntas animavam o voo e flutuavam junto com o avião. Para Baixinho, mais uma promissora conquista amorosa. Louise – este era o nome da beldade – técnica em restauração de obras de arte, viajava a serviço do IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; desembarcaria na Pampulha; juntar-se-ia a colega vindo do Rio e pares mineiros para procederem em Congonhas trabalho de verificação e avaliação detalhadas do complexo Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, já há algum tempo, demandando obras de restauração, principalmente nas esculturas dos doze apóstolos expostas ao ar livre.
Baixinho fez questão de aproveitar qualquer minuto que restasse para esticar o papo com Louise. Auxiliou-a no resgate de sua bagagem pessoal despachada. Agradeceu atraso no voo que traria seu colega do Rio. No Aeroporto da Pampulha compartilharam um longo café com pão de queijo. Baixinho ressaltou ter visitado Congonhas e, como parte de seu hobby, ter sacado inúmeras fotografias das obras de Aleijadinho. Informou ainda ter arquivada e catalogada uma razoável coleção de slides sobre aquela visita. Lembrou até que nas fotos das obras destacou detalhes de partes danificadas com as intemperizações. Não perdeu tempo, no embalo convidou-a para uma sessão de slides em seu apartamento, adiantando sua disposição em emprestar o material obtido para ilustrar o trabalho que Louise faria em Congonhas.
Despediram-se com caloroso e demorado abraço acompanhado de cheiros e bicotas. Não sem antes permutarem números telefônicos, hábitos, gosto por cinema, por músicas, restaurantes etc.
Baixinho pareceu-me uma vez mais apaixonado; estava certo que “colara” ali uma iniciação amorosa. Chegara a propor que Louise em seu retorno, antes de embarcar para Brasília, passasse um ou mais dias com ele em Sete Lagoas. Como resposta de praxe, obteve um “vou pensar”, desses que regularmente funcionam mais como ardente esperança.
Pois não é que Louise desembarcou de ônibus em Sete Lagoas e, por um telefonema, desses de amarelar e tremer, fez com que Baixinho interrompesse seus afazeres, indo a seu encontro no terminal rodoviário. Acolheu-a no hotel alterando sua hospedagem de solteiro para casal. Retomou os trabalhos no ambiente de treinamento, deixando transparecer efusiva alegria, contrastando com os lances de mau humor que permeavam momentos de suas atividades.
Não nos encontramos naquela vesperal; Baixinho sumiu. Na recepção do hotel uma vaga informação que ele teria se ausentado pelas nove horas da noite. Saberia mais tarde que decidira jantar num famoso e luxuoso restaurante localizado nos altos de uma colina.
Dia seguinte, tomamos café da manhã na mesma mesa, quando conheci Louise. Baixinho tinha plena razão. Uma dama de rara beleza e cativantes polidez e simpatia. Falamos de experiência acadêmica; revelou ser filha de diplomata, ter nascido em Paris/França e estudado mestrado em Firenze (Florença), na Itália, especializando-se em recuperação esculturas e outras obras. Trabalhava no Ministério da Cultura, exatamente com esse assunto, tendo rejeitado ofertas aos montões de cargos administrativos.
Foi convencida a retornar a Brasília após o término do treinamento operado por Baixinho que coincidentemente era também quando se encerrava o segmento do curso que eu ministrava no Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo da Embrapa. Em suma, pegamos o mesmo voo de Belo Horizonte a Brasília.
Cheguei a comentar com amigos comuns e vaticinar que Louise faria crescer o número de casados em nossa turma. Chegou a durar mais que as outras, mas, Baixinho era um solteiro inveterado. Não fazia parte de sua retidão moral, entretanto, comentar razões pela qual terminara o relacionamento. Sempre elogiava suas companheiras e namoradas. Algumas tornavam-se amigas e agradáveis companhias para um cinema, teatro, jantar, sessão de slides etc.
Em suma: Baixinho sem companhia feminina era raridade.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico (UnB), MSc. (University of Wisconsin, USA). Membro Correspondente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador/BA. [email protected]