Por Roberio Sulz*
Parte – I – Pelo menos uma vez a cada lua, Baixinho, que morava com o pai, seu Moreyra, em Botafogo/RJ, reservava um domingo ou um feriado para almoçar com parentes maternos residentes em Andaraí, um pouco pra lá da Tijuca.
Naquela época, ainda sem o Túnel Santa Bárbara (Catumbi-Laranjeiras), o trajeto era longo. Saía por volta das oito horas. Pegava dois coletivos: um até a Praça Saens Peña e outro de lá à Rua Uruguai, nas imediações da Maxwell.
Foi no Largo da Segunda Feira, tripla confluência das Ruas Haddock Lobo, São Francisco Xavier e Conde de Bonfim, que Baixinho, na janela direita do ônibus, avistou na calçada alguém que colocaria seu peito em festa. Ela, na certa, aguardando condução. Seu rosto emoldurado por um lenço amarelo em dobras servindo-lhe de tiara a prender cabelos castanhos longos. Vestia saia estampada com predominância do amarelo e blusa curta branca brocada amarradinha acima do umbigo. Apesar do corpo feminino perfeito, sua jovialidade era de alguém com menos de quinze anos. Uma linda boneca, ou melhor, princesa, na imaginação de Baixinho.
Naquele ponto, o ônibus fazia parada mais longa para atender ao desce-e-sobe mais frenético de passageiros. O olhar fixo, analítico e perdidamente admirador de Baixinho terminou encabulando a jovem que não hesitou em lhe mostrar língua demoradamente. Baixinho sorriu e fez um gesto de “nhac”, como a engolir aquela língua desaforadamente exposta. Em ato reflexo, ela fechou a boca e virou as costas. Porém, incontida, nem um segundo depois, voltou o olhar, concedendo-lhe um simpático e belo sorriso.
Nesse momento, o ônibus partiu. Baixinho levantou-se apressadamente e puxou a cordinha avisando que desceria no próximo ponto, já na Rua Conde de Bonfim. Esguiou-se e esfregou-se nos passageiros em pé no corredor. Saltou e correu. Só tinha olhos para o ponto que ficara logo atrás. Lá estava sua fonte de adrenalina já subindo num coletivo. Perdeu! Sua princesa seguia outro rumo, a Rua São Francisco Xavier.
Preferiu retomar sua direção original. Contudo, não perdia o pensamento para cada detalhe da jovem princesa. Imaginou seu perfume, sua voz, seu calor a maciez de sua cútis etc. Encasquetou. Haveria de reencontrá-la um dia.
Nos três domingos seguintes repetiu o mesmo percurso, procurando chegar ao Largo da Segunda Feira, mais cedo que o costume. Andava de um lado para outro. Sentava, lia o jornal, mas não tirava a atenção aos que chegavam no aguardo de condução.
No terceiro domingo, quando já pensava em desistir daquela teimosa empreitada, a princesa desencantou. Chegou linda e saltitante, de tênis branco e saia curta alaranjada plissada, blusa branca. O lenço na cabeça, agora, era alaranjado para combinar com a saia. Baixinho, coração a mil, aproximou-se, identificou-se como aquele ousado admirador do ônibus que lhe queria a engolir a língua. Ela, de início, surpresa e sem jeito. Mas, lembrou-se e sorriu. Desenvolta, disse chamar-se Milflores, ter idade de catorze anos, quase quinze, e residir com seus pais num prédio antigo ali por perto.
Aos domingos, no período de férias escolares (que era o caso), costumava deslocar-se para um clube após o Maracanã, próximo ao Colégio Nossa Senhora de Lourdes, onde estudava e já concluíra a terceira série ginasial. Fazia aulas de natação e ginástica artística.
Baixinho pediu e recebeu consentimento para acompanhá-la nesse percurso. Papo gostoso embalado pelo balanço do ônibus. Continuado na porta do clube, cujo acesso era permitido apenas a sócios ou alunos matriculados nas atividades artísticas e esportivas. Como combinado, reencontrou-a na saída, antes do meio dia. Fez-lhe companhia também no trajeto de volta, oportunidade em que lhe pediu em namoro. Foi aceito, sob a condição do consentimento de seus pais. Trocaram telefones. O do serviço dele e o da residência dela.
Enquanto Baixinho poetizava melosas despedidas na portaria do prédio, surgiu do elevador dona Mayla, mãe de Milflores. Senhora alta, com semblante aparentemente duro, mas, que logo se derretera em alegria e simpatia ao receber os cumprimentos e a auto apresentação de Luiz Carlos (não falou seu apelido), dele ouvindo o comentário:
– Milflores é uma linda moça, graciosa e atenciosa; retrata a boa educação recebida no lar.
Ganhou, de pronto, dona Mayla. Garantiu naquele papo convite para almoçar com a família no domingo seguinte.
Baixinho chegou cedinho para acompanhar Milflores ao clube. Desta feita, conseguiu acesso, como expectador às atividades. Encantou-se com a delicadeza e a graça nos exercício de ginástica artística, com fitas, bola leve, e argolas (bambolês).
Antes do almoço, levou agradável papo com seu Levy, pai de Milflores. Subgerente de uma agência do Banco Boavista, mostrou-se um carioca tranquilo e divertido, desses que não perdem a piada oportuna. Seus assuntos preferidos eram música e futebol. Torcedor do Flamengo. Viu em Baixinho cidadão confiável como companhia de sua filha.
Almoçados, Baixinho convidou, não apenas Milflores, mas toda a família para assistir ao filme “Um Corpo de Cai” de Alfred Hitchcock, no cine Metro-Tijuca. Teve apenas a companhia da nova namoradinha.
E assim o namoro prosseguia. Cineminha, passeios à Quinta da Boa Vista, almoço dominical com papo de família e até banhos de mar em Copacabana, na companhia de um par de primos mais velhos. (Continua… Parte II na próxima semana)
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico (B.Sc.) pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. roberiosulz@uol.com.br.