Autismo

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Por Maurício de Novais Reis*
Parte Final – Quando Éric Laurent escreve o livro “A Batalha do Autismo”, sua intenção é posicionar a psicanálise no lugar de método terapêutico legítimo para o tratamento e acompanhamento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista, embora não como única abordagem terapêutica. É sabido que para uma abordagem integral do ser humano, principalmente no tocante a pessoas com autismo, faz-se necessário um intercâmbio de saberes que vão desde fonoaudiologia à psicomotricidade, desde a pediatria à neurologia, desde a pedagogia à terapia ocupacional, desde a psicologia à psiquiatria, proporcionando uma visão multidisciplinar a fim de se ofertar as melhores condições de acompanhamento terapêutico e educacional. Portanto, o psicanalista francês, conhecedor da condição de multidisciplinaridade exigida pelo autismo, inclusive em decorrência do pluralismo de fatores que podem estar associados à etiologia do transtorno, no que se refere a tratamento e acompanhamento terapêutico, não poderia instrumentalizar a psicanálise enquanto única abordagem válida, eficiente e confiável.
Pelo contrário, o que se busca com a publicação de “A Batalha do Autismo” é desmontar a tese, fortemente arraigada, de que a psicanálise defende que a etiologia do autismo tenha alguma relação com a teoria das “mães geladeiras”, formulada pelo psicanalista Bruno Bettelheim. Deste ângulo, o livro representa, antes, um manifesto dos psicanalistas do mundo inteiro contra a posição (política) autoritária que exclui a psicanálise do corpo multidisciplinar cujos saberes podem (enfatize-se: podem!) auxiliar no tratamento de pessoas com autismo.
Nesta perspectiva, considerando a pluralidade e complexidade das manifestações do Transtorno do Espectro Autista, bem como a posição autística apresentada podendo dividir-se em primária ou secundária, far-se-á bem utilizarmos o termo pluralizado “autismos”. Todavia, urge salientar que o modelo de diagnóstico dos “autismos”, essencialmente clínico, exclui definitivamente o sujeito, tendo como base teórica não mais do que a percepção de características fenomenológicas, marcadas majoritariamente pela ausência: “não falam; não demandam; parecem não possuir imagem especular, uma vez que não se reconhecem diante do espelho”, ressalta Flávia Chiapetta de Azevedo, no livro sobre “Autismo e Psicanálise”, no qual teoriza a respeito da expressão “sujeito inconstituído”.
Contudo, o que realmente importa neste momento, após todas as caracterizações construídas nas partes anteriores deste artigo, é pensar o lugar do psicanalista numa relação transferencial com o indivíduo autista. Certamente que cada analista constrói seu estilo segundo a técnica desejada, porém as técnicas devem convergir para o sucesso da intervenção terapêutica. Anna Lúcia Leão López relatou avanços na intervenção musical na direção do tratamento. Lembrando que em relação ao autismo, Lacan afirma que “são simplesmente pessoas para as quais o peso das palavras é muito sério e que não estão facilmente dispostas a estar à vontade com essas palavras”.
Portanto, o lugar do psicanalista é o lugar do Outro. Trata-se de uma posição de convite à relação, à transferência, auxiliando o indivíduo a articular um discurso (ainda que fragmentado) e simbolizar essa relação. Constituir-se sujeito mediante os significantes essenciais pode demonstrar o quanto as palavras pesam para as pessoas com autismo, mas a despeito disso, possibilita o estabelecimento da comunicação, o surgimento do sujeito e a ressignificação da vida.
*Maurício de Novais Reis é Psicanalista, Especialista em Teoria Psicanalítica e Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa.