Por Maurício de Novais Reis*
Parte I – O diagnóstico de autismo na contemporaneidade não mais representa grande motivo de estranhamento, uma vez que tem se tornado cada vez mais comum nos dias de hoje. Definido como um “mundo distante, estranho e cheio de enigmas”, o autismo continua ocupando o lugar de enigma, desde sua conceituação nosológica no tocante às causas, explicações acerca da manifestação semiológica dos “sinais” apresentados por indivíduos autistas que denunciam o “desvio” da normalidade, até a escolha de metodologias terapêuticas para o transtorno. Se por um lado o fato de não compreendermos a verdadeira natureza do transtorno do espectro autista, mesmo após incontáveis pesquisas nos últimos sessenta anos, não significa que o transtorno não produza sofrimento (seja no indivíduo seja nos pais e familiares), por outro lado, não podemos simplesmente declarar as abordagens terapêuticas utilizadas até o presente momento como ineficientes. Desta forma, embora o escopo deste artigo não seja o de esgotar a temática na sua inteireza epistemológica, o presente texto objetiva suscitar discussões acerca do lugar do autista no convívio social, bem como ponderar acerca dos sucessos e fracassos da psicanálise frente à constituição do transtorno de espectro autista.
Assim, faz-se necessário explicitar primeiramente o contexto histórico acerca do surgimento desse diagnóstico.
Em 1943, um psiquiatra chamado Leo Kanner, publicou um artigo na revista Nervous Children, intitulado “Os transtornos autistas do contato afetivo” (Autistic disturbances of affective contact, em Inglês), no qual descrevia detalhadamente o caso de onze crianças cuja caracterologia reincidente demonstrava um desvio do comportamento considerado normal. Kanner apontou alguns aspectos que, devido sua relevância e precisão, continuam sendo empregados ainda hoje para designar esse transtorno.
Os aspectos básicos apontados por Kanner como características do autismo referem-se ao campo das relações sociais, comunicação e desenvolvimento da linguagem e “insistência em não variar o ambiente”, demonstrando a dificuldade no estabelecimento de contato afetivo, bem como da linguagem nas relações sociais e o apego à rotina cotidiana.
O autismo continua sendo um enigma para a sociedade científica, embora muitas pesquisas tenham sido conduzidas nos mais variados campos, como a psicologia da educação, psicanálise, neurologia psiquiatria e genética. Todavia, o enigma persiste num discurso amorfo e indefinido, uma vez que os resultados não se mostram suficientemente conclusivos. Mesmo após seis décadas de estudos e pesquisas, o autismo persiste escamoteando sua origem e considerável parte de aspectos referentes à sua natureza nosológica, o que dificulta sobremaneira as intervenções educativas e terapêuticas.
*Maurício de Novais Reis é Psicanalista, Especialista em Teoria Psicanalítica e Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa