Ato Falho

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Por Maurício de Novais Reis*
Em seu trabalho intitulado “A psicopatologia da vida cotidiana”, Freud arguciosamente trouxe à tona, como o próprio título do livro sugere, as psicopatologias nossas de todos os dias. Neste tocante específico, Sigmund Freud defende a proeminência de psicopatologias que são comuns a todos os seres humanos. Todavia, uma palavra de cautela torna-se necessária neste sentido: o conceito de ato falho não foi construído para designar o conjunto das falhas da palavra, da memória e da ação. O ato falho constitui essencialmente a negativa de ações para as quais o sujeito possui habilidade, sendo atividades que habitualmente realiza bem e cujo fracasso o indivíduo normalmente atribui apenas à distração ou ao acaso.
Nesta perspectiva, para o conjunto das teorias psicanalíticas herdeiras da tradição freudiana, esclareça-se enfaticamente que o acaso ou destino tem pouco ou mesmo nenhum poder sobre os indivíduos, uma vez que uma porção considerável de nossos desejos, afetos, pensamentos e sentimentos encontra-se recalcada nas profundezas da nossa mente inconsciente ‘lutando para vir à tona’. Freud sustenta que as ações que consideramos resultado do acaso são, irremediavelmente, motivadas pela instância inconsciente do nosso psiquismo. Assim, por exemplo, quando um sujeito deseja falar o nome de outro sujeito e acaba citando o nome errado, ou seja, o nome de um terceiro, certamente, segundo Freud, não se trata de uma troca banal de nomes, mas a troca pode ter sido motivada pelo inconsciente do sujeito. Ainda nesta linha de pensamento, torna-se imprescindível revisitar um exemplo utilizado pelo psicanalista austríaco, que se encontra no referido livro. Certo homem, presidindo a reunião de uma assembleia parlamentar, ao dar início à sessão acabou por despedir-se dos presentes. Certamente, essa ação foi interpretada pelo grande psicanalista como demonstrando o desejo do homem de não estar naquele local, por isso, cometeu o ato falho de, no lugar de estender boas-vindas, fazer exatamente o oposto.
A expressão “ato falho” designa não apenas as ações de sentido estrito, mas engloba todo tipo de erro, lapsos na palavra e no funcionamento psíquico, sustenta o Vocabulário de Psicanálise.
Por outro lado, embora a teoria do ato falha receba esta denominação, tornando-se, inclusive, mundialmente conhecida mediante a penetração do vocabulário psicanalítico na linguagem cotidiana das pessoas, podemos afirmar peremptoriamente que se encontra longe de designar uma falha, no sentido categórico desta palavra. Pelo contrário, o ato falho é sustentado pela psicanálise como um ato bem sucedido, visto que é através dele que o desejo inconsciente se realiza plenamente.
Portanto, nesta particularidade, o ato falho propicia a investigação psicanalítica propriamente dita. O analista, atento (flutuantemente, é claro) às investidas do material recalcado do analisando, capta os sinais do inconsciente através dos lapsos, esquecimentos, falhas nas palavras e ações, devolvendo-os para o paciente em forma de interpretação.
Uma pergunta então se faz indispensável: o que esperar de um psicanalista? A resposta não poderia ser mais clara: não espere de um analista nada além de uma análise.
*Maurício de Novais Reis, escritor, psicanalista e especialista em teoria psicanalítica.