As mentiras contumélias,deslavadas

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“A VERDADE É FILHA DO TEMPO E NÃO DA AUTORIDADE”. BERTOLD BRECHT

A mentira sempre foi companheira do homem desde os seus primórdios. Quando criança ouve os sábios conselhos da mãe: “se não tomar o remédio, não vai para o céu”. Os terroristas árabes recebem a promessa de depois de detonarem uma bomba ao corpo, irem para o além, onde serão recebidos por setecentas virgens ao seu dispor. “A Bíblia”, ensina Einstein, “é uma coleção de lendas veneráveis, mas primitivas e infantis”. Lá são encontradas as mais inverossímeis e inacreditáveis mentiras, para quem é possuidor de um cérebro com pouco mais de 30 de QI, e que saiba pensar e somar, concatenando os fatos narrados. Benjamin Disraeli distinguia três espécies de mentiras: “as mentiras, as mentiras abomináveis e as estatísticas”. Resta saber quais são as abomináveis. Meu Professor de Direito Penal, Dorival Passos, criminalista famoso em Salvador, sempre dizia que a testemunha é a prostituta das provas. Na Faculdade, e em livros específicos sobre a matéria, sempre se reporta um caso famoso ocorrido em Araguari, MG, sobre os irmãos Naves, que foram condenados sem culpa – inocentes, portanto – por assassinato, cumprindo elevada pena de prisão, onde um dos quais faleceu. Virou assunto de tese sobre a inocência e argumento para a não aplicação da pena de morte, pois um inocente poderia ser executado, como tem ocorrido pelo mundo. Provas são forjadas, com muita assuidade, cumplicidade, interesses escusos, sem compromisso algum com a verdade. Até mesmo por vingança ou perseguição. Na cidade mineira de Carlos Chagas houve um caso que merece ser reportado. Alguns anos, ainda no século passado, um vaqueiro foi alvejado por um tiro de carabina na nuca, acreditem, o delegado concluiu como suicídio e arquivou o inquérito. Conheço o caso, sei o motivo, bem como a família e o autor. Seria longa a narrativa, por isso a omito. Mas para exemplificar e melhor, o vetusto e sério Jornal o Estado de São Paulo, do dia 14 de fevereiro deste ano, estampou a seguinte manchete: “JOVEM ALGEMADO COM MÃOS PARA TRÁS DEU TIRO NA PRÓPRIA CABEÇA, DIZ PM”. O jornal continua descrevendo o fato. Diz que o jovem José Guilherme Silva, de 20 anos, morreu no dia 14 de setembro de ano passado, mas o fato somente agora foi noticiado. E que sua morte ocorreu dentro de um camburão da Força Tática da PM de Limeira. Era acusado de participar de um assalto, mas antes de entrar no camburão foi revistado: “nos pés, tornozelos, cintura e genitália”, afirmaram os policiais que não encontraram arma alguma e o algemaram com as mãos para trás. O pai do garoto, José Alves, viu seu filho apanhando dos policiais, na presença de umas 30 pessoas. Segundo os policiais, alguns minutos depois, Guilherme sacou de um revolver 38, cano longo, e deu um tiro na cabeça. Constatou a perícia que o tiro foi dado de uma curta distância de 50 cm de cima para baixo. Comenta o jornal: “No laudo, o perito escreveu, provavelmente, uma das maiores pérolas do instituto de criminalística, digno de entrar no roteiro de um CSI brasileiro – que certamente seria uma verdadeira comédia. Segundo o perito, como consta do laudo: “isso envolve um estudo personalíssimo da habilidade do agente que encontra-se algemado. E é sabido nos meios policiais tanto sobre a habilidade de movimento de alguns detidos, bem como sua condição pessoal de burlar a revista”. Cinco meses passados, os pais e amigos de Guilherme procuraram a polícia para saber como andava o caso. Foram recebidos com a seguinte resposta: “Antes um bandido morto que um policial morto”. A filosofia corrente é que “bandido bom é bandido morto!”Expediente usado pela perícia de Limeira é por demais conhecido dos brasileiros. Prevalece o corporativismo. Não se pode tocar em casa de marimbondos sem correr o risco de ser picado por milhares deles. O recente acidente com o jornalista da Bandeirantes é uma prova. Acendeu-se a chama de todas as redes televisivas. Os dois rapazes foram condenados antecipadamente, alguns chegaram a determinar a pena que receberão: 35 anos de prisão. A montagem do suicídio de Vladimir Herzog, preso, torturado e morto em uma dependência do Exercito. O sumiço de Rubens Paiva e tantos outros. As provas previamente fabricadas não deixam dúvidas. A polícia presidindo inquérito contra policiais não permite que exação prevaleça, pois sempre haverá o interesse de proteger, tanto o colega, como a corporação. Num país onde a impunidade é o símbolo maior do comportamento de todos, onde decisões do Supremo Tribunal Federal são questionadas, atacadas, desrespeitadas, insultadas, pelos donos do poder, tudo vale e pode, inclusive fazer de todos idiotas e imbecis, capazes de acreditar que alguém com mãos amarradas para trás possa atirar em sua própria cabeça. Perícia será refeita, diz a Polícia. Teixeira de Freitas, 15 de fevereiro, de 2014.*Ary Moreira Lisboa é advogado e escritor.