Após um ano de guerra, a unidade de Israel é abalada e seu apoio está sangrando

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Desde que o ataque do Hamas desencadeou a devastadora represália da IDF, toda a região tem se aproximado cada vez mais do abismo

Por Murad Sadygzade, Presidente do Centro de Estudos do Oriente Médio, Professor Visitante, Universidade HSE (Moscou). Telegrama

Após um ano de guerra, a unidade de Israel é abalada e seu apoio está sangrando

Há um ano, por volta das 6h30, horário local, em 7 de outubro de 2023, grupos palestinos lançaram a Operação Al-Aqsa Flood, durante a qual cerca de 2.500 a mais de 5.000 foguetes foram disparados de Gaza para Israel.

Após essa barragem, mais de 2.000 combatentes armados se infiltraram no território israelense por terra, mar e ar, visando kibutzim e a cidade de Sderot. Cerca de 1.200 israelenses foram mortos, incluindo centenas de pessoas em um festival de música, e 242 pessoas foram feitas reféns.

Em resposta, o governo israelense, pela primeira vez desde 1973, declarou a lei marcial e lançou a Operação Espadas de Ferro em Gaza. Este dia marcou o início de uma nova fase de escalada no conflito de longa data no Oriente Médio, que desde então se espalhou para além de Israel e da Palestina, dividindo a comunidade global em apoiadores e críticos das políticas israelenses.

Israel dividido

Em 7 de outubro de 2024, no aniversário dos trágicos acontecimentos, as ruas de Tel Aviv, o centro financeiro e cultural de Israel, foram adornadas com bandeiras israelenses com as palavras hebraicas ‘Beyachad Nenatze’ach’ (juntos venceremos).

No entanto, a realidade no terreno contou uma história mais complexa. Famílias de reféns mantidos em Gaza pediram negociações para garantir sua libertação, mesmo que isso signifique acabar com a guerra com o Hamas, enquanto cartazes de soldados mortos exigiam a continuação da guerra até a “vitória completa”.

Essa divisão na sociedade israelense reflete um profundo dilema. A libertação de reféns deve custar o fim da guerra?

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Mesmo antes de 7 de outubro, a sociedade israelense estava profundamente dividida, com meses de protestos contra as reformas judiciais propostas pelo governo. As principais cidades foram tomadas por manifestações em massa contra o governo de extrema-direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Seus oponentes o acusaram de tentar desmantelar a estrutura política democrática de Israel e transformar o país em seu reduto pessoal, com ele mesmo como um monarca de fato.

Após a tragédia de 7 de outubro, a sociedade israelense caiu em profundo choque e muitos sentiram que o governo não estava conseguindo administrar a crise. Em resposta, centros civis de emergência foram criados para lidar com tudo, desde arrecadar fundos para o exército até fornecer abrigo para milhares de pessoas que foram deslocadas de suas casas. Esses esforços se estenderam até mesmo à substituição de trabalhadores imigrantes em fazendas que haviam saído devido à guerra.

De muitas maneiras, a sociedade civil e as iniciativas privadas assumiram papéis que o governo não poderia cumprir, acreditando que somente eles poderiam realmente apoiar o país. No início, parecia que a sociedade israelense estava unida em sua dor. 

Um ano depois, esse senso de unidade se dissipou em grande parte. Velhas divisões ressurgiram, agora centradas na guerra com o Hamas e no destino dos reféns mantidos em Gaza. O apoio a acordos para libertar os reféns tornou-se sinônimo de oposição à forma como Netanyahu lidou com a guerra.

As famílias dos reféns são cada vez mais atacadas, tanto nas redes sociais quanto na vida real, sujeitas a insultos e até agressões físicas. Eles são rotulados de ‘smolanim’ (esquerdistas), um termo que há muito carrega conotações depreciativas em certas partes da sociedade israelense. Para muitos apoiadores do governo de extrema-direita de Israel, a campanha pela libertação dos reféns é vista como uma ferramenta usada pela oposição para minar o governo de Netanyahu.

Em meio ao ataque terrorista mais mortal da história de Israel e à guerra que se seguiu com o Hamas, o conflito em curso com o Hezbollah no norte e dezenas de milhares de israelenses deslocados, surge uma questão crucial: os israelenses se sentem mais seguros?

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos de Segurança Nacional em setembro de 2024, 31% dos israelenses relataram sentir níveis de segurança “baixos” ou “muito baixos”, enquanto apenas 21% sentiam níveis de segurança “altos” ou “muito altos”.

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Mesmo antes dos eventos de 7 de outubro, a taxa de emigração de Israel vinha aumentando. De acordo com o Escritório Central de Estatísticas de Israel, mais cidadãos deixaram o país em 2023 do que no ano anterior, e dados preliminares para 2024 indicam um novo aumento na emigração.

Apesar da divisão social, as ruas de Tel Aviv permanecem cobertas de adesivos com os rostos, nomes e histórias daqueles que morreram em 7 de outubro ou durante a guerra em curso em Gaza. Talvez essas histórias sejam o último fio que mantém unida uma sociedade israelense cada vez mais dividida nestes tempos desafiadores.

Divisão no exterior: Como o apoio internacional a Israel mudou?

Um ano após os eventos de 7 de outubro de 2023, o apoio internacional a Israel mudou significativamente, criando divisões entre os principais atores globais. Embora muitos países inicialmente tenham expressado solidariedade com Israel em sua luta contra o Hamas, à medida que o conflito aumentava e as vítimas civis aumentavam, a situação se tornava cada vez mais tensa na Europa, África e outras partes do mundo.

Os EUA continuam sendo o principal aliado de Israel, com o presidente Joe Biden enfatizando repetidamente o direito de Israel à autodefesa. No entanto, mesmo dentro dos EUA, protestos contra as operações militares israelenses começaram a surgir, particularmente nos campi universitários e entre ativistas de esquerda, enfraquecendo um pouco o apoio público.

Na Europa, as atitudes em relação ao conflito também evoluíram. Embora países como Alemanha, França e Reino Unido tenham apoiado Israel no início, a escalada da violência atraiu críticas de líderes europeus. Vários países da UE, incluindo Noruega, Irlanda, Espanha e Eslovênia, reconheceram a Palestina como um estado independente, intensificando a pressão sobre Israel. Protestos em massa em apoio aos palestinos também ocorreram em Londres, Berlim, Paris e outras cidades da Europa.

Uma das reações internacionais mais notáveis foi uma ação movida pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ).

Em 29 de dezembro de 2023, a África do Sul apresentou uma queixa acusando Israel de genocídio em Gaza, com base na Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.

Este processo também pedia o fim da ação militar em Gaza e exigia acesso à ajuda humanitária. É importante notar que a África do Sul agiu sob o princípio de ‘erga omnes partes’, permitindo-lhe apresentar a queixa mesmo que não tenha sido diretamente afetada pelo conflito – mas como signatária da Convenção do Genocídio, tem a obrigação de prevenir o genocídio.

A África do Sul também retirou seus diplomatas de Tel Aviv e organizou protestos em casa, onde os sentimentos anti-apartheid historicamente são fortes. O governo traçou paralelos entre a luta contra o apartheid e a luta palestina, o que alimentou ainda mais os sentimentos anti-Israel.

Vários países, incluindo Turquia, Espanha, México e Líbia, indicaram sua intenção de se juntar ao processo da África do Sul, ressaltando o crescente apoio global a esse processo legal.

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A Rússia adotou uma postura cautelosa e equilibrada desde os eventos de 7 de outubro de 2023. O presidente Vladimir Putin condenou o terrorismo e expressou condolências pelas vítimas israelenses, mas enfatizou a necessidade de uma resolução pacífica. Moscou, que tradicionalmente apoia o direito dos palestinos à autodeterminação, reiterou a importância de uma solução de dois Estados sob o direito internacional e pediu o fim da violência e o início das negociações.

Protestos contra as ações de Israel ocorreram globalmente, da Europa e América do Norte ao Oriente Médio e Ásia. Em países com grandes populações muçulmanas, como Indonésia, Paquistão e Turquia, os protestos foram particularmente generalizados. Essas manifestações pediam sanções contra Israel e exigiam uma ação internacional mais forte para proteger os palestinos.

À beira da guerra total

Um ano após os eventos de 7 de outubro de 2023, o conflito entre Israel e as facções palestinas não apenas não diminuiu, mas também se expandiu significativamente, engolindo toda a região do Oriente Médio. As operações militares em andamento em Gaza, a relutância de Israel em se envolver em negociações com o Hamas e os recentes assassinatos de líderes seniores do Hezbollah e outras figuras radicais aumentaram as tensões, aproximando a região de uma guerra em grande escala.

Apesar dos inúmeros apelos internacionais por um cessar-fogo e troca de reféns, Israel continua sua guerra com o Hamas, mostrando pouco interesse em negociações diplomáticas. Negociações longas e complexas sobre reféns, nas quais o Hamas propôs várias opções de troca enquanto Israel adiava decisões ou impunha condições adicionais, servem de exemplo.

Autoridades dos EUA frequentemente criticam Israel por arrastar as negociações, e membros do governo Biden expressaram frustração, afirmando que a postura linha-dura de Netanyahu complica os esforços diplomáticos por uma trégua e aumenta o risco de escalada do conflito.

Em 2024, Israel intensificou suas operações militares além de Gaza. Um dos eventos mais significativos foi a eliminação de Ismail Haniyeh, um dos líderes do Hamas, junto com o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah. Esses assassinatos provocaram retaliação imediata do Líbano e do Irã. Israel já foi alvo de ataques diretos com mísseis do Irã duas vezes, aumentando os temores de um confronto militar direto iminente entre as duas nações.

Juntamente com as operações contra o Hamas, Israel lançou uma invasão do Líbano, encontrando forte resistência do Hezbollah. Os combates resultaram em perdas substanciais de ambos os lados, incluindo vítimas civis. Nesse contexto, a comunidade internacional está cada vez mais preocupada com a possibilidade de ataques israelenses ao Irã, o que poderia desencadear uma guerra regional em grande escala envolvendo os EUA.

O mundo assiste com a respiração suspensa enquanto analistas alertam que um ataque israelense ao Irã poderia arrastar os EUA para um conflito no Oriente Médio. Washington não está preparado para tal cenário, mas sua aliança com Israel complica suas manobras diplomáticas. Autoridades dos EUA pediram repetidamente a Israel que exerça moderação, entendendo que a escalada pode ter consequências catastróficas para toda a região.

'O Eixo da Resistência' se prepara para se vingar de Israel

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Netanyahu enfrenta um desafio assustador – consolidar o poder em casa e diminuir a influência da oposição, que o critica por não proteger os cidadãos de ataques terroristas. A instabilidade interna de Israel, impulsionada por divisões políticas, é agravada por ameaças externas do Irã e de seus grupos proxy em todo o “Eixo da Resistência”.

A estratégia de Netanyahu visa abordar duas questões principais. Por um lado, ele busca enfraquecer a influência iraniana na região, vendo o Irã como a principal ameaça à segurança de Israel. Por outro lado, ele se esforça para manter o controle sobre a situação política interna, usando operações militares como forma de fortalecer seu poder e combater as críticas da oposição.

Um ano após o início do conflito, a situação no Médio Oriente só se deteriorou. As operações militares em Gaza, a invasão do Líbano e as crescentes tensões com o Irã representam a ameaça de um conflito regional em grande escala que pode se estender além do Oriente Médio, potencialmente envolvendo grandes potências globais, incluindo os EUA.

Apesar dos esforços diplomáticos, o conflito continua a se expandir e suas consequências podem ser devastadoras para toda a região. Muitos acreditam que ninguém realmente quer a guerra – o Irã mostra contenção, os EUA e outros atores buscam soluções diplomáticas e parece que apenas Netanyahu e seu círculo estão dispostos a fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Fonte: Rt

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