Advocacia técnica, tecnológica ou multiresolutiva?

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Por Luiz Flávio Gomes*

Todo 11/8 comemoramos no Brasil o dia da advocacia, porque foi nessa data em 1827 que foram criados os dois primeiros cursos de Direito (em Olinda e em São Paulo). Já foram 191 comemorações.

Nas seis primeiras gerações o exercício da advocacia foi eminentemente técnico e artesanal. Sobressaía, particularmente, o conhecimento das regras processuais. As faculdades, para prepararem os profissionais do direito, davam ênfase ao ensino do processo penal, processo civil, processo constitucional, processo tributário, processo do trabalho, processo administrativo etc.

O problema é que o processo foi inventado para (da forma mais civilizada possível) guerrear, litigar, disputar. É o instrumento norteador do provecto modelo conflitivo de Justiça, que surgiu para substituir a vingança privada.

Como vivemos sob o império de uma sociedade formada pela corrupção e pelo feudalismo (da Idade Média), pouco instruída, que aprendeu poucas ou nenhuma técnica dialogal, a mentalidade predominante é a do litígio.

Faz parte da nossa cultura (herança) medieval a priorização da conflitividade, da litigiosidade, tendo como palco decisional no Estado moderno o Poder Judiciário (que está falido, com mais de 120 milhões de processos aguardando decisões). Há poucos dias um advogado me contava que já tem juiz marcando a primeira audiência dos processos para 2020.

A sétima geração de advogados e advogadas vem experimentando profundas mudanças no exercício da profissão em virtude da chegada da Era Digital (iniciada em 1990 com a 3ª Revolução Industrial e incrementada com a 4ª Revolução, de 2010 para cá). A advocacia se tornou técnica e tecnológica, ao mesmo tempo.

Já é coisa do passado o velho jeito artesanal de se advogar (um único profissional cuidava de tudo e fazia tudo: angariava cliente, fazia o trabalho técnico, litigava, cuidava da execução da sentença, cobrava o cliente etc.). Essa advocacia ainda existe, mas é claro que está virando peça de museu.

Robotização, inteligência artificial, Advocacia 3.0, Blockchain, processo eletrônico, intimações por WhatsApp, softwares e aplicativos cada vez mais sofisticados e multifuncionais, advocacia à distância, tecnologia móvel, aplicativos de Vade Mecum, mensagens instantâneas, vídeo chamada… tudo isso está impactando fortemente o exercício dessa nobre profissão. Chegou a advocacia tecnológica. Todo local é local de trabalho para o advogado 3.0. Toda hora, teoricamente, é hora de trabalhar.

Não há como negar que as duas últimas Revoluções Industriais (1990 e 2010) estão mudando ou eliminando muitas profissões. Mas o maior impacto na atuação da advocacia vai ocorrer quando esses vocacionados profissionais descobrirem a advocacia multiresolutiva, que não dispensa a técnica nem a tecnologia, mas prioriza a resolução dos conflitos por meio de várias outras formas alternativas frente ao velho processo judicial. A porta do Judiciário não é a única porta para se resolver conflitos.

Negociação (sobretudo no campo criminal), conciliação, mediação (a busca de pacificação entre os conflitantes), juízo arbitral e tantas outras novas “portas” estão se abrindo para que o escritório de advocacia cumpra seu papel de resolver problemas sem se valer (necessariamente) do falido Poder Judiciário, que deveria ser reservado apenas para medidas urgentes ou cautelares.

A função social e humanista da advocacia vai se engrandecer, sem prejuízo do conhecimento da técnica. Todo escritório, de acordo com a nova perspectiva multiresolutiva, vai funcionar como uma parabólica. Atrairá, como se fosse um imã poderoso, todos os conflitos para dentro do escritório.

O movimento avassalador em curso é o de expulsar os conflitos dos escritórios de advocacia (posto que os advogados e advogadas são vistos como dependentes do velho paradigma da litigiosidade judicial). O Judiciário está entupido de processo. Se a advocacia continuar insistindo na mesma tecla da litigiosidade judicial, cada vez mais o Judiciário vai procurar tirar da advocacia a resolução dos conflitos.

Nesse sentido, é público e notório que o Judiciário tem feito articulações e gestões para reduzir a velha função processualística da advocacia. Seja por meio dos Cejuscs (que se caracteriza pela ausência da advocacia), seja canalizando incontáveis conflitos para fora da advocacia (inventário, usucapião, divórcio, mediação etc.). Resolução do CNJ de fevereiro de 2018 permite que os cartórios façam qualquer tipo de mediação.

A continuar assim, dentro de pouco tempo é o próprio advogado que estará em busca de assistência judiciária para reivindicar as últimas migalhas de uma aposentadoria privada que os governos estão cortando sem dó nem piedade.

Esse quadro de desolação não condiz com a relevância ímpar da função da advocacia em um Estado Democrático de Direito, que existe para exercitar a nobre tarefa de defender os direitos dos cidadãos e sub-cidadãos. É hora de reagir. É hora de união. A advocacia merece respeito e atenção. Mas falta-lhe acordar mais rapidamente para a realidade. Há mil formas alternativas de se resolver conflitos. A porta do Judiciário não é a única e, muitas vezes, nem a melhor. Há muita luz no fim do túnel. Vamos juntos caminhar nessa direção.

*LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista. Criador do movimento Quero Um Brasil Ético. Estou no f/luizflaviogomesoficial.