Aconselhamento de Aristarco

324

Por Robério Sulz          

Eis um virtual baiano de Salvador que poderia ser inscrito, sem favor, dentre os louváveis pensadores dos tempos atuais. Nos altos da Lapinha, em sua residência de simplicidade franciscana, recebia sem restrições todos os que o procuravam. Nunca se gabou de ser conselheiro ou orientador, muito menos, pai-de-santo, quiromante, leitor de bola de cristal, milagreiro, porta-voz do outro mundo nem qualquer coisa desse gênero. Confessava-se agnóstico, sem preferência religiosa. Contudo, liberava um sorriso disfarçado quando lhe chamavam de filósofo da Lapinha.

Com boa formação cultural, deleitava-se ao esticar conversa com professores, artistas plásticos, compositores, escritores, atores, cantores e gente de cabeça boa. Parecia ter na memória uma enciclopédia de conhecimentos vários. Isso, porém, não o fazia seletivo para com seus visitantes.

Nos colóquios que lhe pareciam demandar conselhos e orientações não mudava o tom macio da prosa. Levava informal papo com o visitante, ouvia suas agonias, de preferência nos detalhes e, daí, procurava identificar o motivo da visita. Por regular, os que assim o procuravam, tinham como manifestação inicial, “ter ou estar vivenciando um problema”, sem, contudo, conseguir explicitá-lo claramente. Ao tentar descrevê-lo, citava apenas elementos componentes ou agentes do problema, como costume.

Contudo, para Aristarco, a identificação do problema era de fundamental importância a fim de permitir o exercício de análise e identificação dos elementos componentes, bem como estabelecer os limites bastantes, em função do objetivo buscado.

Conversando comigo, citou um caso singular. Recebera a visita de Lélio que ali chegara talvez por acaso. Jovem educado, com aparência de gente rica. Após os cumprimentos, relaxou-se numa poltrona e disparou:

– Tenho um problema: minha sogra, Deolina, Deo para os íntimos! Cidadã bem cuidada fisicamente, aos cinquenta anos, sempre produzida para aparentar-se bem mais jovem; dona de uma gorda aposentadoria, que somada à que recebe do falecido marido, totaliza dinheiro que não cabe na bolsa de uma só pessoa. Isso sem contar com o aluguel recebido de três lojas no Shopping Iguatemi. Passando de cinco anos casado com sua filha Lorena, Deo não sai lá de casa. Espelhando o que pensa para si, orienta Lorena a se maquiar e vestir como fosse uma adolescente, minissaia, decote ousado, top e salto alto. Insiste que sua filha é jovem e não pode esconder sua beleza pelo simples fato de ser casada. E mais, alega que ela tem de mostrar suas coxas enquanto não se enchem de celulites. Não sou ciumento, mas, não suporto a ideia de expor minha mulher à cobiça pública.

Como exercício heurístico, Aristarco indagou se o problema, de fato, não seria como despachar a sogra de seu ambiente familiar.

– Não, ela é quem sustenta a casa: paga os aluguéis, planos de saúde, as contas do cartão de crédito, luz, água, telefone, além da prestação do automóvel. Não tenho sorte em arranjar emprego. Minha mulher também nunca foi obrigada a trabalhar. Sempre contou com o apoio financeiro da mãe. Confessou, assim, ser um “bon vivant”, na sombra do dinheiro da sogra.

Ouvindo mais seu consulente sobre as atitudes da sogra e de seu poder financeiro, como ferramenta de domínio, terminou admitindo que o problema trazido era algo semelhante a “como se ver livre das orientações e mandos da sogra, sem perder a mordomia por ela patrocinada?”

Aristarco obteve outros dados durante a conversa. A sogra, embora endinheirada, não era sovina. Parecia ter prazer em sustentar o casal e ser reconhecida como tal. Sentia-se recompensa e poderosa quando louvada por sua generosidade, mesmo que fosse para atender a desejos fúteis de Lélio e Lorena, especialmente os que ostentassem jovialidade e riqueza.

Entre as hipóteses elaboradas por Aristarco, uma pareceu mais plausível: “se a sogra sente-se bem em patrocinar gastos, então, o afastamento por algum tempo do casal numa viagem longa ao exterior pode aliviar a pressão sentida por Lélio ao tempo em que satisfaz ao íntimo da sogra”.

Lélio não muito esperou para testar a hipótese colocada. Partiu com a esposa para viagens de cruzeiro marítimo intercontinentais, Europa, Ásia etc. com retorno previsto para mais de dois meses.

Aristarco acompanhou passivamente o deslocamento do casal mundo a fora através de cartões postais que lhe eram enviados de cada lugar. As mensagens sempre terminavam com manifestação de gratidão.

Faltando uma semana para o retorno, Lorena faleceu repentinamente de infarto do miocárdio. Lélio retornou de avião trazendo o corpo da esposa e providenciando enterro no Cemitério do Campo Santo em Salvador/BA. Aristarco acompanhou o féretro e o sepultamento em ato com poucas presenças.

Passaram-se meses, Aristarco convidou Lélio para atualização das novidades.

– E aí, amigo como estão as coisas, agora viúvo-solteiro? Enfim, libertou-se da sogra Deo?

– Continuo bem, sem preocupações financeiras; mas, solteiro não.

– Casou-se outra vez, arranjou outra sogra rica, um bom emprego…?

– Nada disso. Com o falecimento de Lorena, comuniquei a Deo que deixaria o apartamento e buscaria um emprego para mudar de vida. Abracei-a e agradeci por tudo que ela havia feito por mim. No abraço, apertou-me, beijou-me e confessou ser apaixonada por mim, fazia tempo. Deixei, de fato, o imóvel onde residia com Lorena. Mudei-me para o apartamento de Deo. Hoje vivo em sua companhia como cônjuge. Temos até uma viagem turística à Argentina programada para o próximo mês.  Tudo bem até o momento, exceto pela mania de Deo querer parecer garotona com seus trajes, maquiagem e trejeitos. Talvez seja esse um problema a requerer solução com sua sabedoria.

*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. Pensador por opção. [email protected]