Por Robério Sulz
Indescritível é o adjetivo mais usado e mais adequado para os que visitam o Arquipélago de Abrolhos no extremo sul da Bahia e, de lambuja, pasmam ante o fantástico espetáculo oferecido pelas baleias jubarte. Exatamente é isso aí. Com muito esforço, é possível descrever o que os olhos veem, os ouvidos ouvem, o frescor da brisa sentido na pele úmida e tudo mais que pode ser medido e registrado por fotografia, gravador de som, termômetro e instrumentos físicos diversos. Mas, difícil mesmo é descrever a sensação, a emoção que fica quando se retorna ao porto e se volta o olhar para o oceano deixado para trás. Dá uma vontade danada de pedir bis, de agradecer ao criador, de gritar: viva a natureza!
O primeiro sentimento experimentado a bordo é a de nossa humana ínfima dimensão e participação na grandeza universal. Dá-se quando foge da vista o continente e qualquer outro pedaço de terra. O horizonte linear e vazio presente em todas as direções. Para completar, ondas fortes assustam, parecendo negar passagem. Torpedeiam o catamarã pela frente e pelos lados. Com coragem e perícia, o Capitão comandante singra-as, supera-as, ainda que ao custo de nossas roupas encharcadas dos respingos. Damo-nos conta de que faz parte do prazer estar molhado do mar. Comemora-se com uma boa xícara de café quente, gentilmente servida por Nino, o simpático cozinheiro. Antes quase não se ouviam vozes na embarcação. Agora, as palavras circunscritas ao pensamento de cada um, começam a permear o grupo. Não falta motivo nem sucos e frutas frescas servidas com alegria por Carlinhos para ocupar a boca e esquecer a mareagem.
Sem tardar, atinge-se o território (melhor seria “maritório”) das baleias. Aí cabe o adjetivo incrível. Como fazer alguém crer que uma enorme baleia passara vagarosamente a dois metros da lateral da embarcação e ainda dera um forte sopro formando um estupendo chafariz? E as peripécias dos filhotes, emergindo da água em fantásticos saltos ornamentais? Como entender a mansidão daqueles gigantescos animais, quase a trocar cumprimentos com sua plateia de humanos? Microfones submersos revelam melodiosos sons que servem de fundo musical às suas performances. As efusivas palmas, os gritos em coro de uuhhhh dos boquiabertos espectadores tornam-se pequenos ante a comoção dos que perdem a voz ao se verem também como coabitantes do planeta a compartilhar a grandeza da vida. Por fim, como moldar-se crível para a maioria daqueles que sequer tiveram a oportunidade de conhecer baleia por foto?
Passadas as sensações do show das baleias, avista-se ao longe solitárias emergências de terra. São as ilhas de Abrolhos. De longe lembram um arranjo de pedras no horizonte. A aproximação revela lindas ilhas cobertas de coqueiros esparsos. Um farol em destaque. É a Ilha de Santa Bárbara, a maior delas, de acesso e estada controlados pela Marinha do Brasil. Contornando essa ilha chega-se a um espelho d’água cristalino entre as ilhas Redonda e Siriba, sendo esta última acessível a visita com acompanhamento de profissionais habilitados e credenciados. É o berçário natural dos atobás, lindas aves típicas do arquipélago. Também é este o espaço d’água preferido e permitido aos mergulhos de batismo (com cilindros de oxigênio, nada a ver com o homônimo sacramento cristão) e de snorkel (máscara acoplada a respiradouro tubular de superfície). As demais ilhas Guarita e Sueste são bem menores e intangíveis, de visita proibida a turistas.
O Arquipélago de Abrolhos possui uma admirável diversidade de corais a circundar as ilhas e suas interligações. Os mergulhos tutorados por profissionais da área proporcionam maravilhosas paisagens do mundo subaquático: o esplendor dos multicoloridos corais em harmônica composição com a vegetação marinha; peixes que vão dos pequenos peraltas desenhados em cores até os de grande porte, como o Mero, ou mesmo o tubarão lixa. A diversão na água também oferece divertido convívio com tartarugas, abundantes naquela reserva marinha.
Toda essa diversão e alegria ainda conta com um final deslumbrante durante a reaproximação com o continente. É o caleidoscópico pôr do sol, visto a partir do oceano. O astro-rei amansado pelas serras e vegetação do continente a desenhar brasas em nuvens furtivas. Raios partidos em cores pelas gotas desprendidas do mar fundem-se no reflexo amarelo na superfície crespa a oscilar. Por fim, a brisa fresca abençoa a todos em nome do Criador.
Vale ressaltar que o passeio embarcado a Abrolhos é cercado de segurança e cuidados por tripulação experiente, gentil e bem informada, pronta ao atendimento dos turistas. Desde o marinheiro mestre até o serviço de copa e cozinha, com alimentos criteriosamente adequados ao balanço do mar.
Destaque também deve ser dado à preocupação com o meio ambiente. Proibido o contato físico com os corais, o uso de utensílios de plástico, o descarte de qualquer objeto no mar, além dos limites geográficos para mergulho.
Lembrei-me, por analogia, de Gê, amigo contemporâneo nos Estados Unidos. Mineiro simples e de cultura limitada, levado como esposo companheiro de uma estudante brasileira na Universidade de Wisconsin. Gê pasmava ante o espetáculo das macieiras frutificando aos montões em vias públicas. Jamais pensara em ver neve, em experimentar, sem medo, a dureza da espessa calota de gelo sobre o lago e outras novidades típicas daquele gélido território americano. Perguntei-lhe se estaria preparado e orgulhoso para contar todas aquelas emoções aos amigos quando novamente em terras brasileiras. Ele, cômico dentro de sua simplicidade, respondeu-me que não saberia nem ousaria relatar a seu grupo de amigos o que sentira na América. Não arriscaria a se passar por mentiroso. Calado seria respeitado.
A natureza desafia a humanidade com o incrível e o indescritível.
*Roberio Sulz é biólogo e biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. Pensador por opção. [email protected]