Dizia Nelson Rodrigues que o brasileiro é capaz de retirar um chica-bom (levará hífen?) da boca de uma criancinha, em seu carrinho, sem desinclinação, aversão, repulsa, repugnância, compunção, atrição ou remorso, enfim, como se fosse o ato, o gesto, mais natural do mundo. Meu saudoso e querido amigo Dr. Afonso Alves, psiquiatra renomado, de benignidade altruística, mérito consagrado, sem ser seguidor da Teoria de Lombroso, do criminoso nato, talvez por estar em constante contato com o ser humano, e seus problemas mentais, com propriedade afirmava que é muito tênue a linha que separa a lucidez da insensatez, da loucura. Sabia do que estava falando. Certamente. Muito se tem falado do caráter do brasileiro. Muito papel e tinta foram gastos. E virão mais. Macunaíma aí está. Todo esse encetamento vem a propósito da MANCHETE de o ALERTA desta semana: “MENINOS E MENINAS DA PESTALOZZI SORRIRAM NO NATAL PASSADO!” Qual a importância de tal comunicado para chamar atenção de alguém? Nenhuma! Não fosse o fato de que uma entidade que presta relevantes serviços, com a ajuda permanente de pessoas altruísticas, desprovidas de apego pessoal e vaidade, não se furtam em, não só olhar, velar, entregar-se com denodo e desprendimento, sem pejo, ou senso de ridículo em prol de causa tão nobre. D. Maria Luiza é uma delas, juntamente com outras mães de família. Mas não é sobre isso que a atenção foi chamada. O Governo estadual criou uma lei de incentivo para evitar a sonegação no recolhimento de impostos. A cada compra uma Nota Fiscal é emitida. Nos Supermercados existem caixas coletoras com os nomes das entidades que recebem as Notas Fiscais, que posteriormente são recolhidas e apresentadas perante a Secretaria da Fazenda, que repassa algum valor para aquelas que foram contempladas. Tais entidades são beneficentes, não possuem fonte de renda, simplesmente se alimentam da ajuda de todos. Como sou idoso, sempre recolho as minhas notas de compras na caixa a eles destinadas. Nem sempre há uma disponível, ainda que de papelão. Então procuro a da Pestalozzi. Isso quando as há. No ano passado dei carona a uma pessoa encarregada do recolhimento de tais Notas Fiscais, para determinada entidade filantrópica. Curioso procurei saber como estava o seu recolhimento e arrecadação. Então ele informou que havia caído muito. Argumentei que com o aumento de abertura de novos supermercados, não era justificado o arrefecimento, a queda das Notas Fiscais. Veio a estupefação, o estouro, a irrupção. Algumas entidades subornam os empregados dos estabelecimentos comerciais, para surrupiarem, roubarem, transferirem, num afano vergonhoso e inominável, as Notas Fiscais de determinada entidade, abastecendo, recheando, aumentando a quantidade daquela de sua preferência ou para qual foi contratada. Há explicação para tão ignóbil procedimento? Há necessidade de assim proceder por tão pouco? Pois a nímia quantidade arrecadada nada representa. Por que um Chica-bom pode ser tomado de um recém nascido, quando o mesmo poderá encontrar-se protegido por sua mãe? Bem mais fácil é violar uma caixa de papelão e retirar todo o seu conteúdo e depositá-lo na outra ao lado. Dr. Afonso tinha razão: é muito tênue a linha da honestidade, da probidade, da correção, da cidadania, do respeito ao consagrado direito alheio. Francilino Pereira, Governador e Senador por Minas Gerais, presidente da ARENA, que ele alardeou ser o maior partido político das Américas, certa feita, indignado, perguntou: QUE PAIS É ESTE? Até agora ninguém ousou descobrir ou responder. O Padre Antonio Vieira, no século XVII, disse que no Brasil se conjugava o verbo rapio em todos os tempos, modos e vozes. (Fama volat – a fama voa- Virgilio.
Teixeira de Freitas, 21 de janeiro, de 2012. *Ary Moreira Lisboa é advogado e escritor.