A repetição e a psicanálise

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Final – Em vão são as tentativas do rapaz de – após separar-se da segunda esposa – retomar a relação com Leila. Isto não é mais possível. Tendo ido longe demais à traição de si mesma, ela está muda e morta para a vida, evidenciando de forma radical a ação de pulsão de morte como tendência para o retorno ao estado de não-vida, anterior à vida, que pressupõe a passagem pela morte.

A última cena do filme repete integralmente a primeira, neste retorno à origem. Uma refeição coletiva, festiva, ao ar livre. Como no início, o rapaz é novamente convidado pelo irmão de Leila, mas desta vez chega acompanhado de uma menina. Leila – sem ser vista – o observa à distância, de uma janela, mas não desce para a festa. Tudo está acabado para ela, que surge – nesta cena – como a demonstração viva da impossibilidade.

A presença da menina – contudo – deixa a pergunta: será tempo de recomeçar?

Repetição, repetição, repetição… de novo, outra vez, novamente. Nossa vida está cheia, repleta de atos repetitivos.

Excluindo os atos que o nosso inconsciente promove na obtenção de um rendimento (resultado) como nos atos automáticos – por exemplo, dirigir enquanto conversamos ou prestamos atenção nas placas da rua – e que estão também sob a atenção de nossa percepção consciente, em forma de hábito ou prática operativa, existe a repetição inconsciente que busca inutilmente o desejo não satisfeito, a repetição que é a repetição da falta.

Antes de tudo, quando ocorre um trauma (vivência de dor) em uma época em que já existe um eu, ocorre uma liberação de desprazer, embora o eu também esteja ativo para minimizar a atenção sobre o fato, o que provoca diminuição da intensidade dolorosa. Assim, em recordações posteriores (repetição), há uma tendência de obscurecimento sobre a vivência da experiência. Se a repetição é provocada por estímulo externo ou por compulsão (estímulo interno), a percepção será mascarada através de mecanismos de defesa do “self”, que tem como rendimento esquecer e esquecer que esquecemos. O obscurecimento do sentimento é a cauterização mental da dor, a dor dessa lembrança. A mente possui instrumentos cognitivos para alterar a realidade a fim de evitar a dor. É um fato conhecido que estas táticas de defesa – política de avestruz – podem ser encontradas na vida mental das pessoas ditas adultas.

As defesas mais comuns são – REPRESSÃO: esquecer e esquecer que esqueceu. NEGAÇÃO E REVERSÃO: o que é, não é o caso; o caso é o oposto. PROJEÇÃO: o que está dentro é jogado para fora. ISOLAMENTO: eventos sem sentimentos. RACIONALIZAÇÃO: invento para mim mesmo, outra história (falsa). SUBLIMAÇÃO: substituir o ameaçador pelo seguro. DESATENÇÃO SELETIVA: não vejo o que eu não gosto. AUTOMATISMO: não noto do que eu faço.

A grande verdade é que sem aprender a lidar com as lições de nossa vida (história pessoal), parecemos condenados a repeti-las.

FONTE: RINALDI, Dóris – Repetição e pulsão de morte – um comentário sobre Leila – Simpósio da Intersecção Psicanalítica do Brasil, 26 a 28/11/ 1999: São Paulo.

*Carlos Magno Perin é PhD em Terapia Cognitiva Comportamental e Inteligência Emocional.