
Caros leitores, como estudioso do assunto posso dizer que a maçonaria no Brasil nunca foi um palco ruidoso. Continua discreta, quase invisível, mas seus legados ecoam em nossas escolas, bibliotecas e na educação pública. É preciso evidenciar na história ocultada que desde meados do século XIX, lojas maçônicas assumiram o protagonismo de iniciativas laicas, empenhadas em ampliar o acesso ao conhecimento. Entre 1860 e 1905, o número de lojas cresceu rapidamente de cerca de 180, em 1861–1865, para aproximadamente 615 até 1905 e com elas nasceram redes de escolas, bibliotecas e “aulas noturnas” voltadas a trabalhadores, adultos e mesmo ex-escravos. Nessas iniciativas, sobressaía uma visão clara: a universalização do ensino era o antídoto contra o fanatismo e a ignorância, alimentando um ideal de progresso republicano.
Em 1883, o maçom Rui Barbosa fundou a Liga do Ensino com forte apoio maçônico com o objetivo de defender o ensino público, laico e científico. A iniciativa se materializou em conferências, imprensa e sobretudo em uma escola modelo. Era o saber encarado como instrumento de libertação social e politização cidadã. A atuação não ficou restrita às capitais. Em Pernambuco, dezenas de lojas do interior mantinham escolas primárias e bibliotecas comunitárias. Locais como Goiana, Caruaru, Paudalho e Timbaúba contavam com bibliotecas com milhares de títulos, abertas à comunidade pobre. Entre 1912 e 1922, a Maçonaria contabilizou 132 escolas voltadas à educação popular, atendendo mais de 7 mil alunos.
Em São Paulo, a Loja “Sete de Setembro” criou, em 1913, nove unidades com ensino gratuito para crianças e adultos, reunindo cerca de 750 alunos, sobretudo filhos de operários e imigrantes; a Câmara aprovou recursos municipais para manter os aluguéis desses espaços. Esse trabalho discreto, mas profundo, ligava-se à filantropia maçônica. O Grande Oriente do Brasil, organização nacional da Maçonaria, enfatizava o dever de usar a caridade para promover educação: “A caridade é a base de todas as nossas ações… de qualquer pessoa em indigência”.
Os intelectuais maçons como advogados, pedagogos, mestres, promoveram reformas pedagógicas fundamentadas em métodos científicos, modernização dos currículos e valorização do professorado. O projeto nacional de educação laica e universal, central às primeiras décadas da República, deve muito à influência desses atores. Se a Maçonaria se mantém discreta, seu legado permanece como um tecido invisível, costurando o saber em nossas instituições e no imaginário coletivo. Através de bibliotecas, aulas, colégios públicos e do incentivo à modernização pedagógica, ela ergueu trincheiras de conhecimento contra o obscurantismo e a desigualdade.
Hoje, quando enfrentamos crises de desinformação, cortes na educação e crescente intolerância, cabe resgatar essa tocha silenciosa. Que sirva de lembrança que a construção de uma sociedade mais justa passa pela ampliação do acesso crítico ao saber. E que, mais uma vez, mãos discretas se dispuseram a criar escolas, bibliotecas e espaços de diálogo, mesmo que fora dos holofotes. É preciso sempre lembrar que onde há luz, a autoridade cega cai, e a democracia floresce discretamente, mas de forma duradoura. *Thales Aguiar é Jornalista, escritor e Especialista em Ciência Política.