Acusado de tentar matar o então candidato a presidente, Adélio continua encarcerado, e sem poder falar livremente sobre o que ocorreu em Juiz de Fora

A resposta, assinada em 30 de setembro de 2025 pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), reafirma que Adélio segue no Presídio Federal de Campo Grande (MS), com base em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 3 de dezembro de 2024. O tribunal manteve a internação em estabelecimento de segurança máxima “diante da falta de vagas em hospitais psiquiátricos de Minas Gerais e da alta periculosidade do internado”.
“O presídio federal oferece assistência médica e psiquiátrica adequada, conforme relatado nos autos, não configurando tratamento desumano ou degradante”, afirma o documento oficial, citando o acórdão do STJ. Não é uma informação verdadeira, conforme relatado pela última Junta Médica que examinou Adélio, no ano passado..
No laudo, os médicos alertam que, em razão da falta de atendimento médico adequado, Adélio teve a saúde mental agravada e que ele se recusa a tomar medicamento. Em conversa com o defensor público Welmo Rodrigues, ele comentou que teme ser envenenado.
“Só me deixarão sair daqui morto”, disse Adélio à irmã Maria das Graças, quando da única visita presencial que recebeu, no primeiro semestre de 2023.
Medida de segurança e a “prisão perpétua disfarçada”
Adélio Bispo foi considerado inimputável pela Justiça — ou seja, incapaz de responder criminalmente por seus atos devido a diagnóstico de transtorno mental. Em 2019, foi determinada sua internação, em medida de segurança.
O artigo 96 do Código Penal, que prevê a medida de segurança, diz que ela deve ser cumprida em “hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado”. Não é o caso de um presídio de segurança máxima, criado para o cumprimento de penas de líderes da facção criminosa.
Na prática, essa medida não tem prazo máximo: o internado só é libertado se laudos psiquiátricos comprovarem cessação da periculosidade. Como tais avaliações podem se repetir indefinidamente, o cumprimento se torna potencialmente perpétuo, uma “prisão perpétua disfarçada”.
Isso contrasta com o limite legal de pena no Brasil: segundo o artigo 75 do Código Penal, nenhum condenado pode permanecer preso por mais de 40 anos, independentemente da gravidade do crime. A diferença é que a medida de segurança não é tecnicamente uma pena — é considerada um “tratamento” —, o que permite ao Estado manter o internado indefinidamente, desde que alegue persistência de risco social.
Resolução do Conselho Nacional de Justiça determina que doentes mentais não podem ser tratados em presídio, porém o STJ considerou que essa decisão só pode ser cumprida caso haja vaga em estabelecimentos de saúde adequados e, num caso hediondo, houve.
Reportagem publicada pelo UOL em 24 de junho de 2025, revelou que o governo de Mato Grosso conseguiu alocar outro preso, autor de crime hediondo, em hospital de custódia.
Segundo a reportagem, trata-se de Lumar Costa da Silva, de 34 anos, que arrancou o coração da própria tia. Primeiramente, ele foi internado em unidade psiquiátrica do Estado, agora transferido para tratamento ambulatorial.
Lumar matou sua tia Maria Zélia da Silva, de 55 anos, a facadas em julho de 2019, em Sorriso (MT). Em seguida, ele abriu o peito da vítima, tirou o coração e o entregou à filha dela.
O caso, posterior ao de Adélio, expôs uma contradição: por que havia vaga para um condenado por crime hediondo, mas não para um inimputável diagnosticado com doença mental?
A disparidade revela tratamento desigual e politização na execução de medidas de segurança. Por que temem tanto que Adélio possa falar livremente, sob cuidado médico e da família?
Ministério da Justiça cita decisões do STJ e STF
A resposta do Ministério da Justiça destacou que “cabe ao Sistema Penitenciário Federal o cumprimento das decisões exaradas pelas autoridades judiciárias competentes”, e que o STJ entendeu ser legal a manutenção de Adélio no presídio federal, desde que haja assistência médica adequada.
O documento menciona precedentes do STF (HC 194289 AgR) e do STJ (CC 172.812/MG) que consolidam a tese de que não há violação de direitos humanos quando a internação de inimputável ocorre em presídio federal, “em caráter excepcional e devidamente justificado”.
Denúncia internacional e questionamentos de direitos humanos
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), recebeu denúncia sobre o caso, por meio de uma ação do defensor público da União Welmo Rodrigues. O defensor argumenta que manter uma pessoa com transtorno mental em um presídio de segurança máxima viola tratados internacionais de direitos humanos e princípios básicos da dignidade da pessoa humana.
Não houve ainda decisão da CIDH, nem ação efetiva de órgãos de defesa de direitos humanos no Brasil, o que faz de Adélio um preso político.