Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
Muda-se o ser, muda-se a confiança.
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades.
Camões
A quadrinha acima é uma parte de um dos muitos sonetos de Camões, que muito bem representa a mudança que o mundo sofreu nos últimos tempos, pois as “idéias não correspondem mais aos fatos”, como disse o cantor Cazuza. Todos nós mudamos de forma maciça, em nossa atitude quanto ao certo e ao errado (sobretudo física e mentalmente, pois a inexobilidade do tempo não perdoa, é inelutável). Qual a natureza dessa mudança, e o que a motiva? O escritor alemão Johann Gottfried Herder, inventou uma palavra (impronunciável) para explicar a relação da mudança: ZEITGEIST. Em qualquer sociedade existe um consenso meio misterioso, que muda ao longo das décadas, portanto, não é nenhum disparate usar a palavra emprestada do alemão Zeitgeist, que pode ser traduzido livremente como “espírito da época”. Os fatos de hoje não são mais complexos do que as interpretações anteriores. A mídia só narra fracassos, crimes, horrores, impunidades, o Mal vencendo o Bem. Os dias 6 e 9 de agosto lembraram as Bombas de Hiroshima e Nakazaki, no Japão, em 1945. O mundo está pirado como cantou Camões em o “Desconcerto do mundo”. Não há mais futuro só um enorme presente processando. Muito mais importante do que lamentar a pobreza é encontrar uma formula de combatê-la. E demonstrado está que nenhuma autoridade deseja acabar com ela. Ao contrário, tudo é feito para perpetuá-la, como a transposição do Rio São Francisco. Tudo se faz para manter o povo no atraso, sem educação, analfabeto, sem saúde. Pois sem educação é fácil manobrar a todos. É a filosofia ensinada por Lutero, segundo a qual a “Razão é a maior inimiga da fé”. Não é conveniente, e muito menos recomendável pensar, se valorizar o saber, a ciência: basta ter fé, que tudo se resolve. Portanto, quanto mais analfabetos houver, melhor para todos, pois serão facilmente manobrados. Livros? Nem pensar. Estudo? Muito menos. Bibliotecas? Para que? Faustão ai está juntamente com Datena e outros energúmenos ensinando como não se deve proceder com educação e civilidade, exibindo apenas a parte negativa do ser humano. Enquanto os Bons estão sob prisão domiciliar e apavorados ao se dirigirem ao trabalho, à escola ou na volta para casa, os Maus estão, não apenas soltos, mas também armados, o que é proibido para o Bons. Será o Zeitgeist do alemão? “Continuamente vemos novidades/Diferente em tudo da esperança/Do mal ficam as mágoas na lembrança/E do bem, se algum houve, as saudades”, continua Camões em seu desenganado lamento. Quando aqui chegou Cabral, pouco mais de 500 anos passados, encontrou os nativos nus e bem nutridos, sem preocupação alguma com política, escolas, taxas, juros, impostos, exportação, economia ou outras mais. Até os barcos que o trouxe eram de madeira movidos pelo vento. Atualmente os ventos são outros e sopram em direções as mais díspares. O que não mudou foi a corrupção e o nepotismo, demonstrado pelo pedido expresso de Caminha ao Rei em favor de um seu sobrinho. Hoje, na falta de um Rei, usa-se a lei para indicar um parente para suplente de senador, de vice de qualquer cargo. O sufrágio feminino é universal nas democracias do mundo, porém é surpreendentemente recente. Para ilustrar, por se tratar de ano que anuncia eleições, tendo diversas mulheres governando nações e instituições de peso, é bom lembrar que a Nova Zelândia somente em 1893, adotou o voto feminino, seguida por Austrália em 1902, Finlândia em 1906, Noruega, em 1913, Estados Unidos em 1920, Grã-Bretanha em 1928, Brasil em 1932, França em 1945, Bélgica em 1946, Suíça em 1971, Kuwait em 2006. Todos estes fatos demonstram a mudança do ser humano e da sociedade. Quem bem difundiu o pensamento do sentido de Zeitgeist mutante foi Hegel. A famosíssima Oprah Winfrey, que acaba de sofrer constrangimento racial na educadíssima Suíça, disse que “não existe fracasso. Fracasso é a vida nos fazer mudar de direção”. Tudo muda, inclusive a língua (idioma) que por ser viva constantemente sofre mutação e novas palavras a ela são incorporadas. Policarpo Quaresma não haveria de se sentir bem, com tantos termos estrangeiros usados sem qualquer cerimônia. Sobretudo o inglês, que é encontrado em toda parte. A meu sentir é um aviso de que logo logo, a língua materna deixará de existir, como ocorreu com muitas outras, o latim principalmente. Sem mencionar as línguas indígenas, que mesmo sendo ágrafas, eram a utilizadas pelos nativos. Com a chegada da civilização, tudo mudou. É o Zeiteist mutante, ou o espírito da época que o alemão consagrou. A indústria cibernética, a informática, a internet, revolucionaram o mundo. Ainda bem! (Às favas o Acordo Ortográfico). Teixeira de Freitas, 15 de agosto de 2013. *Ary Moreira Lisboa é advogado e escritor.


