A liberdade de aprender a ser feliz

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Merecia maior festa, mais visibilidade, a inauguração da Escola Municipal Bom Pastor, instituída com o propósito de oferecer oportunidade aos alunos em descompasso acadêmico com sua faixa etária, ou seja, na chamada defasagem idade-série. Trabalhar essa preocupação prioritariamente, com apenas dois meses de governo, reflete uma gestão no campo educacional digna de destaque e aplauso. Aproveitando os termos do artigo A ESCOLA REPROVADA publicado nesta mesma coluna em 27 de janeiro último, vale reafirmar que a reprovação, ou, a retenção escolar, como queiram chamá-la, é uma das mais cruéis penalidades impostas ao jovem aprendiz, em fase de formação moral e social. Lamentavelmente, a reprovação é costume ainda amplamente praticado que vem a reboque do famigerado “ano letivo”, instituição caduca que merecia estar na cova, mineralizada e pulverizada, há muito tempo. De tão ruim, não mereceria sequer permear as lembranças das empertigadas secretárias escolares, com seu cabelo curtinho, a rodopiar comprida saia rodada e a manusear embolorados livros mais um universo de fichas que só ela conhece a ordem. Isso acabou, gente! Hoje, garotões “malabaristas de bits” fazem o controle de tudo a bordo de um teclado. Mas, vamos lá. A escola inaugurada, para bem cumprir sua finalidade de ser o corretivo do atraso, há que ser diferente, atual, olvidar a maldosa tradição. Passar por cima dessa história de primeiro, segundo, terceiro ano… Há de projetar no aluno um cidadão preparado, ainda que parcialmente, para administrar sua liberdade, suas relações sociais e, sobretudo, ser feliz. Pelo que se propaga, lá não existirá reprovação nem séries a cumprir, mas, uma progressão continuada da aprendizagem, respeitando os limites, a velocidade e a inclinação racional de cada um, bem como suas potencialidades de envolvimento social, de liderança, de participação comunitária, enfim, com a função de trazê-lo em termos de cultura e comportamento ao nível desejado para sua faixa etária. Presumivelmente, tudo operado sob a atenção permanente de educadores descolados do processo tradicional e amparados por metodologia psicopedagógica válida e moderna. Assim sendo, desenha-se um quadro promissor na educação básica de Teixeira de Freitas, refletindo louvável responsabilidade nesse segmento da gestão pública.

Mas, o que se está fazendo, na verdade, é remediar uma situação que, certamente, não existiria se atacadas em suas causas.  Com o tempo, a terapia pode tornar-se viciada e perder sua eficácia. Por isso, urge trabalhar também sistemas e processos educacionais preventivos, para evitar a repetição das causas. Se não claro para uns, para outros soa como óbvio: o maior complicador, o nó górdio a ser desatado ou cortado a golpe de espada, sem dó nem piedade, como o fez ostensivamente Alexandre, o Grande, é a segmentação da aprendizagem em “anos letivos”. Inexistindo o ano letivo, não há reprovação. Assim, a aprendizagem básica poderia ser estruturada em ciclos, mais precisamente em dois ou três ciclos, estabelecendo-se com clareza o que se quer do aluno, em termos comportamentais, culturais e de habilidade racional, ao final de cada ciclo. Nada muito diferente do que se pensa fazer na Escola Bom Pastor. As disciplinas agregadas, redimensionadas e ajustadas de acordo com os objetivos propostos, seriam estruturadas em unidades sequenciadas. O tempo para cumprimento de cada unidade dependeria dos limites e potenciais de cada aluno, de modo que o prazo para se completar um ciclo seria variável e, melhor, sem a tormenta da reprovação.

Outra vantagem desse sistema é que o aluno pode começar, interromper e concluir seus estudos a qualquer tempo sem a necessidade de data certa, se a escola estiver preparada para tanto. As tradicionais salas de aula, antes algo como clausura que exige exclusiva atenção à voz do professor, passam a ser ambientes de estudo, debates, de formação cidadã, tal como as bibliotecas e os demais espaços físicos da instituição. Eis aí uma proposta de reforma de estrutura educacional que, para se completar, só falta o uso de um bom método de aprendizagem coerente com os tempos modernos, dos que buscam levar ao aprendiz não apenas a informação a ser memorizada, mas que lhe desenvolva a habilidade para mobilizar, internalizar, aplicar, difundir e melhorar sua vida, dos seus e da comunidade. Não é de hoje que estão disponibilizados vários métodos pedagógicos alternativos a esse atraso da aula expositiva. Um deles, que faz sucesso em países orientais de elevado Índice de Desenvolvimento Educacional (IDE) é derivado do método heurístico, de resolução de problemas. Os fundamentos da aprendizagem significativa de David Ausubel sobre o aporte continuado de conhecimentos dão perfeito suporte à aprendizagem sequenciada. Tudo isso somado à proposta de funcionalidade social da educação do nosso brilhante compatriota Paulo Freire enfeixa o que há de melhor e mais moderno nesse setor.

* Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].