A ditadura da positividade tóxica

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Por Thales Aguiar*
Caros leitores, pare um segundo. Sente-se. Deixe o celular de lado. Sinta o peso do cansaço que não é só do corpo, é da alma. Você não está sozinho. Há um mal-estar pairando sobre nós, mais sutil que a inflação, mais corrosivo que qualquer discurso político. É a fadiga da urgência. Nós nos exploramos voluntariamente, acreditando que é empoderamento. Virou normal chegar exausto do trabalho e ainda ter de ser “o melhor da festa” no stories, acompanhar 15 debates políticos simultâneos, ter opinião formada sobre tudo, da guerra na Ucrânia ao preço do tomate, e ainda postar uma foto de “gratidão” pelo caos que vivemos.
Eis o poeta Drummond, “no meio do caminho tinha uma pedra”. Hoje, no meio do caminho temos 50 notificações, um grupo da família explodindo, o chefe mandando áudio fora do horário e a cobrança interna para ser feliz em meio a tudo isso. Nosso mundo atual é como um celular que nunca consegue carregar completamente. Estamos sempre em 20%, com o modo economia de energia ativado, tentando rodar aplicativos pesadíssimos, a violência, a incerteza econômica, a polarização que virou sangue nos olhos. O psicólogo social Erich Fromm nos alertou sobre o “medo à liberdade”. Eis que desenvolvemos um novo pavor, “o medo à pausa”. Parar é ser excluído. Silenciar é ser vencido. Desconectar é desertar. Então seguimos, zumbis digitais, rolando feeds infinitos que nos roubam a finitude do agora.
Mas e se a verdadeira resistência for desconectar? Se o ato mais revolucionário for dizer “chega” à histeria coletiva? Estamos confundindo sobrevivência com vida. Estamos trocando existência por desempenho existencial. A cura? Talvez seja simples como olhar nos olhos de quem amamos sem a mediação de uma tela. Talvez seja aceitar que não precisamos ter opinião sobre tudo. Que podemos – pasme! – não ver os stories, não responder imediatamente, não nos posicionar sobre cada bobagem. Precisamos resgatar o direito ao tédio criativo, à desconexão produtiva, ao ócio que nos religa com nossa essência. A existência que queremos construir não nasce do esgotamento. Nasce do fôlego. Da capacidade de respirar fundo e dizer: do meu cansaço, farei um ponto de paz. Da minha overdose informativa, extrairei o essencial. Do barulho ensurdecedor, resgatarei minha voz interior.
Como dizia Guimarães Rosa, “o real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. E que travessia tem sido a nossa. Mas não podemos nos afogar na pressa de chegar a um lugar que nem sabemos qual é. Descanse. Respire. O amanhã da humanidade pode esperar pelo seu hoje mais sereno. Afinal, como escreveu Adélia Prado, “Não quero faca nem queijo, quero a fome”. Que possamos recuperar a fome pela vida que vale ser vivida , com suas pausas, seus silêncios e sua beleza imperfeita.
Este não é um texto sobre desistir, mas sobre escolher melhor nossas batalhas. Não é um manifesto contra a tecnologia, mas a favor da humanidade. O cansaço que sentimos não é fracasso, é o sintoma de que estamos lutando contra nossa própria natureza. A revolução começa quando desligamos as telas e religamos nossa alma.

Escrito com as mãos vazias de respostas, mas cheias de perguntas que nos unem.

*Thales Aguiar – Jornalista e escritor – Especialista em Ciência Política.

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