A democracia analógica deve ceder espaço para a democracia digital?

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Essa é a grande novidade do século XXI. Os protestos massivos, que no fundo pedem justiça social e mais eficiência nos serviços prestados pelo Estado, sinalizam a necessidade de um novo modelo de democracia participativa, deliberativa e vigilante, muito mais transparente que a velha democracia analógica (representativa). Seria uma espécie de democracia digital. A sociedade em rede aprofundou o descompasso entre a dinâmica dos partidos políticos e as exigências atuais da cidadania (Viard, em Daniel Aarão, O Globo de 09.07.13, p. 14).

Ela está em busca de um novo regime político que dê abertura para a cidadania em rede, que é autônoma e horizontalizada. Os destinos da nação não podem mais ficar nas mãos exclusivamente dos representantes políticos (em quem o povo, hoje, não confia). Já não bastam as eleições. É preciso se aproximar das redes sociais: “Há anos a gente está gritando na internet e ninguém escuta, porque o governo não sabe nem sequer abrir o facebook” (diz um manifestante).

O que a sociedade está pretendendo?

A sociedade em rede quer vigiar os poderes e ter voz e poder de decisão compartilhada. Participação, deliberação e vigilância são as palavras-chave da nova racionalidade. É preciso digitalizar a democracia, criando-se uma praça pública digital, um Fórum Cidadão, onde a população possa manifestar e deliberar, algo híbrido de Avaaz (dirigido por Pedro Abramovay) e Facebook, só que com validade jurídica (O Estado de S. Paulo de 21.07.13, p. A8). A descentralização das decisões se tornou impostergável. Quem tem voz na internet terá voz no Congresso. Consoante Marcus Vinícius Coêlho (presidente da OAB nacional), a proposta não só é viável, como é desejável.

A presidência da República está começando a entender a nova lógica?

Sim, tanto que decidiu instalar no Palácio do Planalto um “gabinete digital” para se comunicar, sem intermediários, com as redes sociais. A ideia (Folha de S. Paulo de 23.07.13, p. A10) é “abastecer o mundo cibernético com dados oficiais; monitorar e pautar o debate virtual; fazer disputa de versões, desfazer boatos e tentar, na medida do possível, colocar a presidente em contato mais direto com internautas”. A proposta, no entanto, é de um gabinete digital defensivo.

Mas, o que a democracia direta digital pede é algo bem distinto, é um Fórum Cidadão, legalizado, que possibilite discutir, deliberar e vigiar o poder público (os seus atos e contratos). Mais que isso: no mundo desencantado que vivemos, o que atrai a confiança dos cidadãos não é o acerto do programa eleitoral anunciado, os discursos, as promessas, sim, o netcidadão quer discutir os programas de governo, quer transparência, quer deliberar junto (assumindo suas responsabilidades), quer vigiar o servidor público, sobretudo, sua personalidade, ou seja, importa saber o que ele faz, mas especialmente quem ele é (no exercício da função pública).

Recorde-se que os programas dos partidos políticos são (plasticamente) intercambiáveis e dizem quase sempre a mesma coisa. “A verdadeira diferença, a summa divisio rerum na política, a encontramos, pois, não no que eles são, sim, na linha que separa dois estilos contrapostos de vida, o vulgar e o exemplar” (Gomá Lazón). Em suma, o que mais importa hoje, para além de uma boa governança, é a exemplaridade, a honestidade, a retidão, a ética do político ou governante, que tem que saber a diferença entre o egoísmo e o altruísmo.

*Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal “Atualidades do direito”. Estou no [email protected].