Troca-troca ministerial prejudica eficiência e dificulta execução de programas do governo, avaliam especialistas

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Em 1 ano e 8 meses de governo, Temer substituiu 15 ministros. Justiça impediu nomeação da nova ministra do Trabalho. Pelo menos outros 11 ministros devem sair até abril para disputar a eleição

O presidente Michel Temer, durante evento no Planalto, acompanhado dos ministros Dyogo Oliveira (Planejamento), Henrique Meirelles (Fazenda) e de Ronaldo Nogueira, que deixou o Ministério do Trabalho (Foto: Alan Santos/PR)

O presidente Michel Temer, durante evento no Planalto, acompanhado dos ministros Dyogo Oliveira (Planejamento), Henrique Meirelles (Fazenda) e de Ronaldo Nogueira, que deixou o Ministério do Trabalho (Foto: Alan Santos/PR)

A frequente troca de ministros no governo de Michel Temer dificulta a execução de programas de longo prazo, atrapalha o funcionamento da burocracia e pode reduzir a eficiência da prestação de serviços, segundo avaliação de especialistas ouvidos pelo G1.

Atualmente, o presidente enfrenta dificuldades no Judiciário para que a deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) tome posse como ministra do Trabalho.

Desde o início do governo, há um ano e oito meses, 15 ministros já foram substituídos em 11 pastas. Outros 11 a 15 titulares do primeiro escalão podem sair até abril em razão da campanha eleitoral.

O primeiro escalão de Temer é composto no momento por 28 ministérios. Com a série de mudanças, as pastas da JustiçaCultura e Secretaria de Governo contabilizam três ministros em menos de dois anos, enquanto os ministérios do Trabalho, da Indústria e Comércio Exterior e da Transparência estão nas mãos de interinos.

TROCAS DE MINISTROS NO GOVERNO TEMER

MINISTÉRIO QUEM SAIU QUANDO QUEM ENTROU QUANDO
Planejamento Romero Jucá 23.03.2016 Dyogo Oliveira 31.03.2017
Transparência Fabiano Silveira 30.05.2016 Torquato Jardim 02.06.2016
Turismo Henrique Alves 16.06.2016 Marx Beltrão 05.10.2016
AGU Fábio Medina Osório 09.09.2016 Grace Mendonça 14.09.2016
Cultura Marcelo Calero 18.11.2016 Roberto Freire 23.11.2016
Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima 25.11.2016 Antonio Imbassahy 03.02.2017
Justiça Alexandre de Moraes 07.02.2017 Osmar Serraglio 07.03.2017
Relações Exteriores José Serra 22.02.2017 Aloysio Nunes 07.03.2017
Cultura Roberto Freire 18.05.2017 Sérgio Sá Leitão 25.07.2017
Justiça Osmar Serraglio 28.05.2017 Torquato Jardim 31.05.2017
Transparência Torquato Jardim 28.05.2017 Wagner Rosário (interino) 31.05.2017
Cidades Bruno Araújo 13.11.2017 Alexandre Baldy 22.11.2017
Secretaria de Governo Antonio Imbassahy 14.12.2017 Carlos Marun 15.12.2017
Trabalho Ronaldo Nogueira 27.12.2017 Helton Yomura (interino) 29.12.2017
Indústria Marcos Pereira 03.01.2018 Marcos Jorge (interino) 05.01.2018

Especialistas ouvidos pelo G1 avaliam que as alterações constantes na Esplanada provocam descontinuidade no trabalho dos ministérios, atrasando ou paralisando programas que estão em execução.

“As trocas são um obstáculo para as políticas públicas. Cada ministro tem sua prioridade, que nem sempre é a mesma do ministro anterior. O impacto das trocas é reduzido em ministérios nos quais há um grau maior independência da burocracia, com mais servidores estáveis”, diz Alketa Peci, professora da FGV-Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, da Fundação Getúlio Vargas).

A nomeação de um ministro provoca alterações em cargos estratégicos na pasta. O novo titular forma sua equipe com pessoas de sua confiança ou do grupo político que o levou ao cargo. Quem chega, dizem analistas, precisa assimilar as atribuições do ministério e se adaptar aos projetos em andamento, atrasando o andamento da máquina.

“A cada troca de ministros, é substituído o estafe e são alteradas as diretrizes e a forma de trabalhar. Como na administração pública federal direta existem mais de 22 mil cargos de confiança, a maioria objeto de indicações políticas, a cada troca de ministros mudam vários burocratas apadrinhados”, explica afirma o especialista em gastos públicos Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

Professor de administração pública da Universidade de Brasília, José Matias-Pereira avalia que o troca-troca provoca uma “paralisia” e compromete a produtividade do serviço público.

“Se o ministro chega e trava a máquina durante algum tempo, a produtividade nesse ministério, de cada servidor, vai para um patamar extremamente baixo, provocando oferta de serviços públicos de péssima qualidade”, frisa.

Efeitos distintos

Professor de administração pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cláudio Gurgel avalia que as mudanças no primeiro escalão federal têm efeitos distintos, que variam de acordo com a importância do ministério e que, em alguns casos, podem ajudar o governo.

Pastas como Fazenda, Planejamento, Justiça, Defesa e Relações Exteriores têm peso maior, seguidas de ministérios da área social, segundo ele. O professor argumenta que as 15 trocas de Temer devem ser avaliadas uma a uma.

“Trocas no Ministério da Indústria, por exemplo, não afetam a política pública do desenvolvimento industrial, que está subordinada ao Ministério da Fazenda. O mesmo se pode dizer da Agricultura. O novo ministro pode apenas recompor a governabilidade, dependendo do seu partido”, afirmou.

Cientista político do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, Paulo Franz mapeou as trocas ministeriais registradas por governos anteriores ao de Michel Temer.

Segundo ele, as 15 mudanças feitas pelo atual presidente ficam “dentro da média brasileira”, que destoa na média da Europa.

“Em países europeus por exemplo, a média de ministros que permanecem no governo ao longo de todo o mandato chega a quase 70%. No Brasil, esse percentual não chega a 20%. O governo Temer está dentro da média brasileira. Quem parece não estar na média é o Brasil”, disse.

O pesquisador entende que a execução de programas de médio e longo prazo fica comprometida nos casos de ministérios que passam por trocas de comando em um curto intervalo de tempo.

Franz afirmou que os atuais desafios impostos ao Ministério da Justiça exigem “capacidade administrativa” que os gestores alcançam com certa estabilidade de pessoal.

“Uma equipe ministerial ganha ‘expertise e know-how’ ao longo do trabalho. Com trocas, esse conhecimento se perde e pode ser substituído pelo de novatos na área”, disse ele.

O Plano Nacional de Segurança, coordenado pelo Ministério da Justiça, serve de exemplo. Lançado em janeiro de 2017 por Alexandre de Moraes em meio à crise em presídios, patina para sair do papel.

Presidencialismo de coalisão

Paulo Franz adverte quem nem sempre as substituições de ministros atrapalham, já que a distribuição das pastas entre os partidos que apoiam o presidente ajuda o governo a aprovar projetos do interesse do governo no Congresso Nacional. A aprovação das propostas também viabiliza a implementação da agenda do governo.

O especialista em administração pública José Matias-Pereira e o professor emérito de Ciência Política da Universidade de Brasília David Fleischer criticam o uso dos ministérios como moeda de troca, dentro do presidencialismo de coalizão.

Conforme Fleischer, o governo fica refém das indicações, mesmo as que representam desgaste perante a opinião pública. É o caso da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) no Ministério do Trabalho.

Substituta de Ronaldo Nogueira, a parlamentar teve a posse suspensa por decisão judicial proferida após a revelação de que ela foi condenada a pagar R$ 60 mil por dívidas trabalhistas com dois ex-motoristas.

Interessado nos votos do PTB para aprovar a reforma da Previdência, Temer tenta reverter na Justiça a suspensão da posse.

“O governo insiste em dar posse a Cristiane Brasil para manter o PTB (partido da parlamentar) na base do governo”, explica Fleischer.

O professor defende um controle maior sobre perfil, formação técnica e trajetória dos indicados para a Esplanada dos Ministérios, como acontece nos Estados Unidos, onde os ministros de Estado são sabatinados pelo Senado.

Para isso, seria necessária uma mudança na Constituição, uma vez que no Brasil o presidente tem liberdade e autoridade total para escolher os ministros de Estado.

“Nosso presidente tem poderes imperiais”, avaliou Fleischer.

Para o professor Cláudio Gurgel, há formas de reduzir o reflexo da rotatividade ministerial, protegendo os cargos de segundo e terceiro escalão da interferência política.

Uma das saídas é estabilizar a nomeação para cargos de gestão, reservadas as funções para servidores do próprio ministério.

“Podemos minimizar os efeitos danosos das trocas de ministro, mas, para isso, é preciso que os cargos de gestão só possam ser ocupados por profissionais de carreira do ministério, com currículo que seja compatível com a função.”

Para Gurgel, “isso estabilizaria muito o funcionamento dos ministérios, independentemente das mudanças de ministro”.

Para ministro, mudanças não prejudicam

Terceiro ministro da Secretaria de Governo desde que Temer assumiu o Planalto, Carlos Marun (PMDB-MS) acredita que as mudanças na Esplanada dos Ministérios não prejudicaram a implementação da agenda do presidente, que, segundo ele, apresenta resultados positivos no campo econômico, como a redução da taxa de juros e a queda da inflação.

No caso da articulação política, área da qual Marun cuida, o ministro declara que o troca-troca foi benéfico.

“Não teve prejuízo ao trabalho do ministério, até porque o grande articulador político do governo é o próprio presidente. Somos um governo que não perdeu votação importante no Congresso. Cada ministro contribuiu em votações decisivas”, declarou.

Marun minimiza o impacto que a nova rodada de saída de ministros provocará. Em abril, termina o prazo para que os interessados em disputar a eleição deixem o governo. A desincompatibilização pode modificar cerca de metade do primeiro escalão – titulares de 15 das 28 pastas avaliam disputar a eleição, entre os quais, Henrique Meirelles (Fazenda).

O Palácio do Planalto, inclusive, quer usar a reforma forçada na Esplanada para ampliar o apoio da base parlamentar e conseguir os votos necessários para aprovação da reforma da Previdência no Congresso Nacional.

“Os ministérios têm bons quadros e os novos ministros vão tocar os projetos em andamento. Os ministros que vão concorrer vão reforçar a articulação, porque são deputados, por exemplo, que voltam ao mandato comprometidos com as reformas e a agenda de votação do governo”, afirmou Marun.

Deputado federal, Marun (PMDB-MS) afirma que não tentará a reeleição, permanecendo no posto até dezembro deste ano. Segundo ele, os novos ministros chegarão para ficar até o final do governo Temer.

MINISTROS QUE PODEM SAIR PARA DISPUTAR A ELEIÇÃO

Ministro Pasta Mandato atual
Ricardo Barros Saúde Deputado federal (PP-PR)
Mendonça Filho Educação Deputado federal (DEM-PE)
Fernando Coelho Minas e Energia Deputado federal (sem partido-PE)
Sarney Filho Meio Ambiente Deputado federal (PV-MA)
Leonardo Picciani Esporte Deputado federal (PMDB-RJ)
Marx Beltrão Turismo Deputado federal (PMDB-AL)
Maurício Quintella Transporte Deputado federal (PR-AL)
Osmar Terra Desenvolvimento Social Deputado federal (PMDB-RS)
Alexandre Baldy Cidades Deputado federal (Pode-GO)
Raul Jungmann Defesa Suplente de deputado federal (PPS-PE)
Aloysio Nunes Relações Exteriores Senador (PSDB-SP)
Blairo Maggi Agricultura Senador (PP-MT)
Helder Barbalho Integração Nacional Sem mandato
Gilberto Kassab Ciência, Tecnologia e Comunicações Sem mandato
Henrique Meirelles Fazenda Sem mandato

Por Guilherme Mazui e Maria Fernanda Erdelyi, G1, Brasília