Por Henrique Matthiesen*
Quando Leonel Brizola, contrariando toda a lógica política da época, venceu as eleições para o governo do estado do Rio de Janeiro em 1982 — enfrentando o conluio das Organizações Globo e a tentativa de fraude eleitoral articulada pela Proconsult, com apoio do regime militar de João Batista Figueiredo — iniciou ao lado de Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer, a implantação do mais avançado e revolucionário projeto educacional da história do Brasil: os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs).
A concepção dos CIEPs representou uma das mais arrojadas e visionárias iniciativas educacionais já realizadas no país, fruto do olhar estadista de Brizola e da genialidade intelectual de Darcy Ribeiro. Tratava-se de uma escola pública de excelência, popular e comunitária, que compreendia a educação como um processo integrado — unindo profissionais qualificados, infraestrutura adequada e práticas pedagógicas inovadoras. Em resposta concreta à necessidade de democratizar o acesso ao conhecimento no Brasil pós-ditadura, os CIEPs foram criados como escolas de tempo integral voltadas as classes populares, com o objetivo de formar cidadãos plenos. Eram centros vivos de cultura, convivência e lazer, abertos à comunidade e enraizados nas realidades locais, onde os saberes populares eram respeitados e incorporados ao cotidiano escolar. Ao unir educação e cultura como pilares indissociáveis da cidadania, os CIEPs apontavam para um futuro promissor, sem romper com as raízes do povo brasileiro.
O projeto trouxe inovações profundas à educação pública. Com funcionamento das 8h às 17h, os CIEPs ofereciam muito mais do que ensino formal: garantiam alimentação adequada, higiene, atendimento de saúde, atividades esportivas, culturais e artísticas, reconhecendo que todas essas experiências fazem parte do processo educativo. Voltados prioritariamente às periferias urbanas, evidenciavam a escola como um espaço público plural — gratuito, laico, inclusivo e sustentado pelo Estado — onde a comunidade tinha voz e vez. A estrutura pedagógica rompia com o modelo tradicional: equipes multiprofissionais, currículo integrado e atividades interdisciplinares valorizavam a diversidade e os saberes locais. A presença dos animadores culturais, a participação ativa da comunidade e o combate aos currículos excludentes revelavam a intenção clara de formar sujeitos críticos, conscientes e emancipados.
A genialidade dos CIEPs residia justamente na simplicidade poderosa de sua proposta: nenhuma criança pode aprender com fome, sem saúde, sem acesso à cultura, ao esporte, ao lazer e ao afeto. Brizola e Darcy entenderam, como poucos, que cidadania se constrói desde a infância, com dignidade e oportunidades reais. Os países desenvolvidos já haviam provado essa lógica — e os CIEPs a materializaram em solo brasileiro. A proposta integrava escola, cuidado e cultura em um mesmo espaço, mostrando que o saber floresce quando a vida da criança é respeitada em sua totalidade. Alimentação, saúde, arte e conhecimento andavam juntos — e isso, no Brasil, chamava-se CIEPs.
No entanto, o projeto foi duramente atacado pelas elites retrógradas e por setores de uma esquerda desinformada — a chamada “esquerda que a direita gosta” — que combateram os CIEPs com argumentos mesquinhos e reducionistas, como a ideia de que “escola não é pensão”, ou que o projeto era caro demais. Acusavam Brizola de populista educacional, sem compreender — ou sem querer aceitar — a dimensão transformadora da proposta.
Desmontaram o projeto mais inovador e humanizador que o Brasil já conheceu. Em seu lugar, restaram as velhas escolas burocráticas e desonestas, que reproduzem um modelo fracassado, útil apenas à manutenção das desigualdades e das elites que se opõem ao desenvolvimento, ao povo e à emancipação social.
Quarenta anos depois, os CIEPs continuam atuais, necessários e profundamente inovadores. Em seu terceiro mandato como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva chegou a reconhecer publicamente o erro — seu e de setores de seu partido — ao não apoiarem os CIEPs no passado. No entanto, ainda não implantou a concepção plena desse modelo em sua gestão.
Cabe a reflexão: até quando o Brasil negligenciará sua educação, ou seja, seu próprio futuro?
E cabe também o registro histórico da grandeza e da visão revolucionária de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro que ousaram construir não apenas escolas, mas um projeto de nação.
*Henrique Matthiesen é Formado em Direito e Pós-Graduação em Sociologia