Sobre aviões e luto

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Por Mauricio de Novais
O Brasil acordou na última terça-feira com uma notícia avassaladora. Conforme noticiado pelos mais variados órgãos de imprensa do mundo (e pelas mais variadas análises ocorridas nas redes sociais), caiu o avião que transportava a delegação da Associação Chapecoense de Futebol, que rumava em direção à cidade de Medellín, na Colômbia, onde, na quarta-feira, disputaria a final da Copa Sul-Americana contra o Atlético Nacional. A notícia do acidente aéreo chocou pessoas do mundo inteiro. Poucas horas depois de ocorrida a queda daquela aeronave, o sentimento de luto envolvia os brasileiros.
Você talvez esteja se perguntando as razões pelas quais eu estou escrevendo sobre uma notícia de acidente aéreo envolvendo uma equipe futebolística numa coluna que tem como objetivo analisar os conceitos psicanalíticos. Pois bem, aparentemente a psicanálise nada tem em comum com o futebol, tampouco com o falecimento trágico de futebolistas. Mas, só aparentemente. Na verdade, esta introdução busca analisar (psicanaliticamente) o sentimento de luto que envolveu a nação brasileira nos últimos dias.
Desta forma, a tarefa de atribuir sentido aos desdobramentos do Real torna-se hercúlea em decorrência da impossibilidade de se descrever adequadamente o real da existência. O sentimento que tomou conta da nação brasileira reflete o inesperado (e inescapável) pertencente ao Real. Lacan disse que o Real “é aquilo que não cessa de não se inscrever”. Sendo assim, a inscrição do real torna-se impossível devido à existência de furos no interior de sua configuração enquanto registro. Afinal, o real fervilha de ocos. O acontecimento trágico provoca um curto-circuito na nossa racionalidade, conduzindo-nos a um enorme sentimento de perda.
Nesta perspectiva, independente do nível de conhecimento travado com as vítimas da tragédia, os sentimentos de projeção e identificação outorgam-nos empatia. Assim, o sentimento que fica refere-se à seguinte equação: “naquele avião era ELE, mas poderia ser EU. Poderia ser alguém do MEU convívio.” Portanto, onde o ELE encontra-se advém (ao menos no nível do fantasma) o EU.
Sim. É assustador pensar isso, mas, poderia ter acontecido com qualquer um de nós. Por isso, não existem palavras suficientemente articuladas que atribuam sentido à trágica história da delegação chapecoense. Destarte, o nome dessa desarticulação simbólica é luto.
Distinguindo luto de melancolia, Freud escreveu que no luto “a perturbação da autoestima está ausente” enquanto encontra-se presentificada nos quadros patológicos da melancolia. No seu trabalho intitulado “Luto e Melancolia”, Freud continua: “O luto profundo, a reação à perda de alguém que se ama, encerra o mesmo estado de espírito penoso, a mesma perda de interesse pelo mundo externo – na medida em que este não evoca esse alguém –, a mesma perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor (o que significaria substituí-lo) e o mesmo afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre ele.”
Grosso modo, o luto encerra um sentido impossível da inescapabilidade do real e da fragilidade da vida.