Sob os encanto$ do chifre e do pau

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O Extremo Sul baiano abaixo do paralelo Itamaraju tem uma interessante história que pode ser contada com orgulho pelos ainda pouco nativos, de boa memória, com mais de sessenta anos, pois ela não vai muito além da metade do século passado. Poderia também ser contada, se eles falassem, pelos ricos e saudosos trilhos da extinta Estrada de Ferro Bahia e Minas, a bahiminas, assim carinhosamente chamada pelos que dela se serviam. O inocente povo acreditou na fantasiosa promessa dos brucutus fardados de que logo após a erradicação dos trilhos seria implantado na região um polo produtor de carne e leite de magnitude nacional. Para selar o projeto governamental, a rodovia projetada para atender às localidades originalmente margeantes ao leito férreo foi até batizada de Estrada do Boi. E, assim, lá se foram nossas matas tomadas pelos grileiros, arrancadas e, muitas vezes, queimadas para cederem espaço a pastos de capins. Como uma menina pobre, nossa região se prostituiu e se entregou por migalhas aos encantos dos bois, ou melhor, dos chifres.

O pecuarista agia como donas de bordel, explorando o pasto e o boi sem, contudo, proporcionar-lhe a devida manutenção. Era a busca do lucro fácil. Assim, não tardou o desgaste dos pastos e o emagrecimento do rebanho. Também não viram colar o artifício da valorização especulativa da terra degradada, empreendida por mágicos corretores imobiliários.

Ante esse quadro, os grileiros se rasgavam em desespero quando, por sorte, caiu-lhes no colo o negócio de plantio de eucalipto para atender à indústria de celulose recém-implantada na região. O modelo produtivo de pau de eucalipto conferia tantas vantagens aos donos de terras que fez a maioria dos agricultores migrar da produção de alimentos para a produção de pau. Estava estabelecido um novo formato de prostituição ambiental e nossa região dobrava-se, desta feita, aos encantos do pau.

Pacas, quatis, curiós, canários, bicudos, coleiros, tiês e outras tantas valiosas espécies não querem nada com o eucalipto.  Aliás, esse “pé de pau” é uma das mais desprestigiadas árvores do mundo animal.  Resta-lhe como pobre fauna afim, formigas, cupins, grilos, cobras e lagartos.

Um dos terríveis efeitos secundários perniciosos dessa atividade econômica é o transporte de pau feito por uma impressionante frota de enormes carretas que parecem crescer em número e dimensão a cada dia. Nas rodovias de nosso costado estão sempre a surpreender os motoristas, têm pressa nas decidas e são lerdas nas subidas. Atrás delas forma-se fila para lá de quilométrica. Haja paciência! É aí que os mais afoitos, seja por boa razão ou por simples agonia, terminam por se envolver em acidentes, muitas vezes fatais. Mas, não é só nas ultrapassagens que os acidentes acontecem. Depois de ter-se desvencilhado desse demorado e insuportável cortejo, aparecem os surpreendentes quebra-molas e buracos, forçando a incríveis exercícios de esquiva. Fala sério! Quem consegue ficar feliz enfrentando essas gigantes cangalhas motorizadas indo e vindo aos montões nas rodovias? Acaba com qualquer alegria, acaba até com casamento. Não dá para ser complacente com o choro de criança, nem com a opinião das esposas metidas a copilotos. É irritação e mau humor para mais de metro, ou, quilômetro, é para percurso inteiro. Toda essa chirinola só pode acabar em acidentes, ou, no mínimo, em troca de insultos e agressões gestuais, com mútua exibição de bananas e dedos entre motoristas. E para completar, estão por lá as irregularidades no pavimento, as péssimas condições do acostamento e os animais na pista.

Os regulamentos de trânsito não dão a mínima para essas muitas e máximas armadilhas causadoras de acidentes rodoviários, a culpa termina sendo só do álcool no sangue do chofer. E dá-lhe ameaça de bafômetro e penalidade braba como remédio. Esses enormes e pesados trens rodoviários, carregados de pau, danificando o pavimento, os acostamentos, as cabeceiras de pontes e provocando lentidão no trânsito trafegam com a onipotência de reis da estrada.  A pavimentação da BR-418, a chamada Estrada do Boi, no trecho entre Caravelas e Posto da Mata, quase não progride, porque essas compridas e pesadas gaiolas carregadas de pau estão sempre a danificar os trechos já prontos para receber o asfalto. Também não se fala, mas, é comum de elas escapulirem pedaços ou cascas de pau que atingem, arranham pinturas, quebram para-brisas e limpadores dos autos que lhe seguem. E ninguém fala mal delas. É o famigerado progresso, visto por economistas caolhos, incapazes de enxergar e avaliar as mazelas dos empreendimentos em toda sua extensão.

* Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].