Outra do Baixinho

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roberio-sulzBaixinho – de batismo e cartório, Luís Carlos – era o agradável companheiro frequente e falante em nossas reuniões de fim de semana, em Brasília.
Naquela sexta-feira, programamos saborear aquela famosa feijoada no restaurante do Hotel Heron. Baixinho acabava de chegar do aeroporto de Brasília, onde fora receber Wagner, colega que retornava dos Estados Unidos, após três anos e meio, onde fora fazer curso de doutorado em legislação previdenciária. Antes de ser transferido para Porto Alegre/RS, de onde partira para seu curso no exterior, Wagner trabalhara em Brasília com Baixinho, acompanhando-o nas incursões noturnas de paquera. Amigos, nunca perderam o contato mútuo.
Ciente das boas relações de Baixinho com auditores da Receita Federal, inclusive com os que operavam no aeroporto internacional, Wagner o acionou para aliviar os rigores alfandegários sobre as tralhas que trazia como bagagem. Figura simpaticamente íntima dos auditores, ninguém lhe impediu de adentrar o salão de desembarque internacional.
Abraçou o colega de longa data e, ato contínuo, providenciou o desembaraço aduaneiro, visto que Wagner e esposa embarcariam para Porto Alegre/RS em menos de uma hora e precisavam redespachar toda aquela bagagem.
Ao contar esse episódio, Baixinho lembrou-se da vez, já passados quatro anos, em que fora enviado, por sua diretoria institucional, para coordenar e ministrar palestras num curso de treinamento introdutório para recém-empossados na carreira de auditor, em Curitiba/PR. O evento foi programado para quatro semanas, no salão de convenções do Hotel Del Rey, onde participantes e instrutores também contavam com hospedagem paga pelo INSS. Apoio e assistência, incluindo serviço de lanche e café nos intervalos, seriam disponibilizados por empresa especializada em eventos.
Não passou do terceiro dia, Baixinho encantara-se com Lana, uma das assistentes da empresa de apoio. Sempre bem produzida, penteada com coque executivo e maquiada, atraía a atenção pela elegância de seus passos dentro de impecável terninho preto e chamativo perfume floral a mexer com todos os narizes no ambiente.
Solteira, discreta, costumava fazer suas refeições solitariamente no restaurante do próprio hotel. De caso pensado, Baixinho aguardou-a para o jantar e pediu permissão para compartilhar sua mesa. Fez rolar papo agradável. Contava suas aventuras, falava de música e até recitava poemas de Vinicius de Moraes.
Propôs para a vesperal do dia seguinte, um fondue a dois, no Petit Château, em Santa Felicidade, famoso bairro gourmet da capital paranaense. E, por aí, Baixinho conquistou a bela, que lhe fez esquecer a namorada deixada em Brasília.
Fato: enquanto durou o curso, nenhum dos dois dormia mais sozinho. Porém, cumprindo ética profissional, nem se tocavam durante o trabalho.
Os fins de semana eram aproveitados para deleite turístico: passeio de litorina a Paranaguá, dias de sol no Balneário Camboriú, teatro em São Paulo etc. Baixinho derretido por Lana e inebriado por seu cheiro. Lana correspondia aos encantos por ele manifestados. Foi até mais longe. Na surdina, terminou, por telefone, longo namoro – quase noivado – com um conterrâneo de Pelotas/RS, empresário do ramo de doces e conservas. Estava decidida a morar em Brasília, amancebando-se com o novo parceiro. O projeto só não ganhou porte nem prosseguimento por covardia de Baixinho. Cidadão atavicamente comprometido com sua solteirice.
Desmancharam o namoro ao mesmo que tempo em que se encerravam as atividades do treinamento. Nem se despediram formalmente. Ficaram num lânguido aceno de mão. Todavia, Baixinho guardaria como lembrança de Lana: o elegante caminhar, o cheiro, os cabelos negros soltos ou presos em coque executivo, o sorriso, o hálito, o calor do aconchego e tantas outras coisas marcantes daquele meteórico e apaixonante relacionamento. Passou a manter em sua mesa de cabeceira um pequeno frasco do perfume de Lana. Curiosamente, o aroma jamais se igualou n’outras peles que o experimentaram.
Pouco adiantou o tempo passar, nem outras namoradinhas que efemeramente permeavam o sentimento de Baixinho. Ele próprio não se acanhava em declarar aos amigos:
– Aquela mulher nunca me saiu do pensamento.
Para não se torturar com a saudade, olvidava saber por onde andaria Lana. Contudo, acrescentava que se algum dia a reencontrasse não hesitaria em lhe propor casamento, mesmo que isso viesse a alterar radicalmente seus hábitos boêmios.
Voltemos ao aeroporto de Brasília. Wagner insistia em chamar à proximidade sua esposa – sempre distanciada – para apresentá-la ao amigo Baixinho. Por trás de enormes óculos escuros, ela olhava vitrines e não se dava aos chamados. À medida que se aproximavam dela, um inebriante misto de perfume e pele conhecidos promovia dramática descarga de adrenalina em Baixinho. Cérebro, coração, pulmão e até músculos da perna pareciam trocar de lugar, num pálido corpo trêmulo. Wagner pegou-o pelo ombro e frente a frente com sua esposa disse-lhe:
– Luis Carlos, apresento-lhe Lana, minha esposa.
*Roberio Sulz é biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected]