Olímpiadas

369

roberio-sulzMuito já se falou e ainda se fala sobre as maravilhas das Olimpíadas Rio 2016. Não vale a pena exaurir o leitor em repeti-las com um toque a mais ou a menos. O que pouco se falou – e merece ser enfatizado – foi o fantástico efeito cultural que esse evento trouxe a nossa gente e outros povos mundo a fora.
Que se destaquem momentos inesquecíveis com possíveis resultados culturais:
a cerimônia de abertura. Que inteligente e criativa paginação de nossa arte! De leitura e entendimento fáceis a qualquer vivente. A beleza na diversidade de nosso jeito de ser. E a pira olímpica? De estático símbolo, passou a ser totem, paisagem para fotos. À noite, raios dourados de sua luz, à semelhança do sol, eram enviados ao universo, pela dinâmica de plaquetas refletoras.
As torcidas. Tirando o viés natural para equipes e atletas do Brasil, aplaudiam-se alegremente as equipes de melhor desempenho. Mesmo, quando assim não fosse, emprestava-se torcida ao mais fraco, àquele que não conseguiu ter representante nas arquibancadas. Animados e solidários, brasileiros faziam alvoroço a cada gol, ponto ou boa performance. Os intervalos marcavam a hora da festa, com muita música, agito e coreografia.
O transeunte e a hospitalidade. O carioca disputava visitante para falar e tirar selfie com ele. Conseguir resolver seus problemas era a glória. Tudo feito com a alegria de quem recebe um parente ou amigo, para contar as novidades da terra. Aliás, diga-se, o brasileiro – o carioca, mais que todos – adora fazer amizade com estrangeiro, falar sobre o Brasil e ouvir sobre outros cantos do planeta. Os voluntários que emprestaram gratuitamente seus serviços aos eventos das olimpíadas o fizeram por mero desejo de papear com os visitantes, fossem de Myanmar, franceses ou refugiados sírios. Bem disse o presidente do Comitê Olímpico Internacional, sobre o resultado de toda essa hospitalidade: “chegamos aqui como visitantes e saímos como amigos”.
O espetáculo de encerramento. Uma verdadeira apoteose. Tudo que temos de bom e bonito foi mostrado ao som de metais, tambores, atabaques e berimbau. Vozes que não roncam nem destoam cantavam nossos sons e poemas e falavam sobre nossa gente. Por fim, chamados a participar da festa, os atletas caíram dentro e internacionalizaram a alegria. Assim, caracterizou-se o espetáculo definitivamente como não apenas feito para a plateia, mas com o público, num surpreendentemente lindo formato de interatividade. Gente de língua presa soltando um tra-la-lá. Cordão, trenzinho, dança no cangote e tudo que um bom folguedo carnavalesco pede. Alguém atreve-se a identificar de que país era aquela gente toda?
E as medalhas? O que parecia ser o grande objetivo, a maior cobiça, o parâmetro qualificador de atleta e países ficou obumbrado ante o espetáculo carioca de interatividade social.
O toque negativo a distorcer e contaminar toda essa benfazeja atmosfera foram as intervenções e os comentários dos narradores das emissoras de TV brasileiras, principalmente os da TV Globo (aberta). Por privilégio mal explicado, esses tagarelas foram entronizados num luxuoso prédio plantado no centro do Parque Olímpico. Não conseguindo utilizar a riqueza de recursos de produção de imagem disponibilizados, escorregavam em cômicas patetices.
O comentarista-chefe (ou que posava de chefe) não perdeu sua eterna mania de fazer comentários usando informações de sua equipe de pesquisa no Google. Metia-se a falar sobre usos e costumes mundo a fora, cometendo gafes em cima de gafes. Parece que, não aguentando tamanho besteirol, a direção de jornalismo da emissora ordenou que os comentários se cingissem tão somente às competições e às medalhas conquistadas.
Não demorou aos assinantes de emissoras fechadas migrarem para a Fox, ESPN e Sport TV, onde o estrelismo dos apresentadores e comentaristas ficava em nível mais suportável. As transmissões internacionais deram um banho de objetividade e profissionalismo na despreparada mídia tupiniquim.
Faltou criatividade à cansativa imprensa nacional. Perdeu-se a oportunidade de enaltecer a mistura social integradora como ponto alto desse megaevento, de valorizar a espontaneidade do encontro entre povos, de registrar a paz nos ambientes naturais de compartilhamento social. A mídia internacional logrou mais êxito na cobertura desse nicho. No calçadão de Copacabana viam-se mais câmeras e equipes de emissoras estrangeiras que brasileiras.
As emissoras nacionais, ao contrário, enjoavam de tanto repetir – e ainda repetem – competições quase sem graça ao brasileiro, como badminton, hockey, ping-pong e por aí. E dizem que vem novidade nas próximas olimpíadas de Tóquio. Quem sabe: pular amarelinha, tiro de estilingue, bolinha de gude, peteca e nado contra a correnteza.
Por fim, vale ressaltar a sorte de se entregar ao carioca, o mais alegre festeiro dos brasileiros – quiçá do mundo – a responsabilidade de fazer realizar o maior certame esportivo da terra. Foi o suficiente para que ele aproveitasse o gancho e convertesse a oportunidade em gigantesco evento com abrangência que extrapolou a mera competição esportiva. Mostrou que o Rio é e sempre foi um cadeirão de cultura e alegria.
*Roberio Sulz é professor universitário; Biólogo, biomédico (B.Sc.) pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].