O poder da comunicação (2ª parte)

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O poder da mídia é reconhecido universalmente. E já assusta de longa data. Em abril de 1951, Cyril M. Kornbluth publicou na revista “Galaxy”, EEUU, um conto sob o título “The Marching Morons”, “A Marcha dos Imbecis”, sob tradução livre, que terminou sendo considerado “one of the best novellas up to 1965” pela “The Science Fiction Hall of Fame”, volume II. O conto é uma ficção da idiocracia, ambientado em época centenas de anos adiante da nossa e relata a história do personagem John Barlow, um corretor de imóveis esperto e plenamente ativo em 1988, que ficou, acidentalmente, em coma, entubado, como consequência de um pequeno incidente durante tratamento dentário sob a anestesia. Quando Barlow acordou de seu longo sono, o mundo estava com uma hiperpopulação e numa situação político-social inusitada: os mais cultos, endinheirados e em minoria, gozavam de pleno conforto e um elevado nível de inteligência, QI em torno de 150, enquanto a maioria era formada por imbecis, ou, idiotas, empobrecida, inculta e com baixo coeficiente de inteligência. A segregação era propositadamente conduzida e mantida pela minoria dominante para obter e conservar segura supremacia e confiável comando social sobre a força de trabalho, algo como um universal sistema “casa grande e senzala”. A classe dominante se preservava da eventual contaminação pela imbecilidade, controlando seu crescimento populacional e selecionando combinações genéticas favoráveis à evolução do QI nos casamentos arranjados. Competição e disputas não eram bem vistas nessa classe. Valia, ironicamente, a máxima da “elite unida, jamais vencida!”. Dominavam, eles, a economia, a ciência, a tecnologia e tinham absoluto poder sobre a mídia, manipulando as informações segundo seus propósitos.

Aos imbecis dominados sobrava o dever de trabalhar e o prazer de aplaudir seus endeusados ídolos, reproduzir-se em prazeres sexuais descomprometidos e viver dos bem produzidos entorpecentes culturais servidos pela mídia, tipo telejornais tendenciosos, comentaristas de cultura falseada e enaltecida por generosos patrões, novelas de traições e gritaria, big brothers, dança dos famosos, CQC, Pânico na TV, Ratinhos etc. Tudo mais ou menos como ocorre hoje em nosso rincão. Com isso, os imbecis só falavam abobrinhas, da importância da vida dos famosos da TV, choravam no enterro de um famoso artista e não davam a menor bola para a morte de um companheiro de comunidade etc. Sem acesso à classe dominante, os imbecis só se reproduziam com imbecis e se multiplicavam às mancheias. Contribuíam de modo fantástico para aumentar a idiotice coletiva, a ponto de o coeficiente de inteligência (QI) ter atingido a média de 45, enquanto esse valor, hoje, está próximo de 100. A coisa começou a ficar turva quando se percebeu uma inevitavelmente próxima explosão demográfica, a fome coletiva emergindo no horizonte, a rebelião por moradia e outras mazelas passíveis de ocorrer num “ninho de formigas mal controlado”. O grupo dominante começou a se mexer para buscar uma saída. Foi daí que Barlow, o ressuscitado, contando com sua mais que bicentenária curtida verve de enganador, e achando-se importante figura, diferente e criativo, talvez, por ser um estrangeiro do passado, propôs à classe dominante promover uma grande enganação coletiva, bem própria aos eficientes corretores de imóveis: convencer os imbecis, pela propaganda massiva, das belezas e do conforto paradisíacos do planeta Vênus, oferecendo viagem confortável e inigualáveis benesses aos que se interessassem em migrar para o novo planeta. De fato, o que se propunha era colocar muita gente num grande ônibus espacial e fazê-lo explodir tão logo fugisse à percepção dos que ficaram acenando o lenço. Com algumas centenas dessas viagens ter-se-ia um bom escoamento populacional, sem maiores abalos financeiros, uma vez que, a tecnologia da época permitiria essa logística a baixo custo e os endinheirados estavam dispostos a pagá-las. Em troca de sua “brilhante” ideia, Barlow exigira ocupar o maior posto no comando dos dominantes, algo como o Ditador do Mundo, vago já desde algum tempo. Foi essa sua pretensão que o fez ser visto pelos dominantes não como um gênio, mas, como mais um idiota. A ideia da eutanásia, contudo, foi, literalmente, aproveitada e praticada pelos dominantes atingindo os desejáveis resultados.

Enquanto Barlow se achava governador-geral do mundo, os dominantes, inteligentes, despachavam seus explosivos ônibus espaciais e cuidavam da intensa propaganda pela mídia que afirmava com fotos, filmes e convincentes depoimentos “ao vivo” sobre a paradisíaca vida em Vênus. Tudo isso confirmado por “cientistas” políticos, pretensiosos intelectuais fumando cachimbo em frente às câmeras, Ph.Ds economistas, sociólogos formados em Harvard e os defectíveis escarafunchadores dos segredos alheios. Barlow, agora visto como mais um imbecil, foi facilmente convencido a embarcar na sua própria mentira, entrou num dos “ônibus da felicidade” e teve o fim de todos os idiotas despachados.

O conto de Cyril M. Kornbluth é uma ficção – é claro! Mas, guarda muita similaridade com o que rola na mídia, principalmente no contexto de certas emissoras de TV, dos grandes jornais, revistas e sites ditos informativos e de opinião em nossa atualidade. Buscam – na verdade, insistem! – a todo tempo derrubar, impor novas autoridades e modelos sociopolíticos mais manipuláveis. Forjam novas crenças, plantam falsas verdades, invertem valores. Tudo ministrado na dourada pílula da felicidade. Quando adversos, além de extremamente irritados e perigosos, incomodam mais que furúnculo no céu da boca.

* Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].