O poder da comunicação (1ª parte)

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“Comunicação em Prosa Moderna” é o título de um dos mais importantes e úteis compêndios da comunicação escrita, hoje na 27ª edição, agora contando com o aporte atualizador de filhos e sucessores de seu autor principal, Othon Moacyr Garcia, desde a primeira edição em 1967.

Curioso é fazer uma análise do que se chamava comunicação moderna nos anos sessenta e o que se pode dizer dela meio século depois. Nos dias atuais a preocupação não é mais o estilo belo e escorreito da Última Flor do Lácio. Hoje, escreve-se qualquer besteira e quem quiser que se esforce para decifrá-la. Se os códigos do besteirol forem compatíveis entre tribos, dá-se a comunicação. Se não, fica desimportante, como, geralmente, o é na essência. Atrás da deturpação linguística vieram os dialetos da comunicação virtual e até um tanto hermético para os mais vividos. Palavras foram encurtadas, viraram símbolos, ou, se perderam num cruel acinte à língua pátria. Os dicionários diminuíram de tamanho. As moçoilas de hoje usam o “ram-ram” para todas as respostas, sejam positivas, negativas, permissivas, ou, de esquiva. Variações na entonação do “ram-ram” também diversificam seu significado. Outra pobre e enjoativa forma muito usada hoje nos diálogos coloquiais é aquela do “… aí ela disse assim:” “… ela respondeu assim, ó:” Isso não passa de um primarismo preguiçoso na formulação da frase, ou, da ignorância quanto ao uso de conjunção. Aqui pelo Extremo Sul baiano forjaram um intragável “trago” como particípio passado para o verbo trazer e o uso errôneo e feio do verbo querer nas formas do subjuntivo, do tipo, “quando você querer” ao invés de “quando você quiser”. Os paulistas inventaram um “então” para começar qualquer frase, que mais parece chuchu na farofa de peru. Os paranaenses conjugam o verbo “por” como se fosse “ponhar”. A palavra “coisa” vale para qualquer coisa, de gente a um troço imprestável. Criaram até o verbo “coisar” para uma “coisa coisar a outra”.

Coitada de nossa língua mãe. Os publicitários antes de lançarem uma campanha costumavam pesquisar “a priori” o gosto, ou, a necessidade pelo objeto a ser anunciado. Hoje, buscam, antes, a linguagem, o dialeto, que afetará o consumidor.  Os locutores de rádio já não impostam mais a voz para lhe conferir tom de seriedade, nem se preocupam com as regências verbais, é uma lenga-lenga gritada como se estivesse dialogando com alguém à distância numa barulhenta boate.

Até nota de falecimento é dada com gritaria e euforia de quem ganhou um sorvete. Os “outdoors”, para chamar à atenção, têm que estampar o bizarro, o ridículo ou “sex apeal”, tipo um burro sorrindo ou uma modelo de pernas para o ar. Os jornais impressos passaram a ilustrar suas matérias em cores para atender ao público que não mais vê filmes em preto-e-branco. As revistas em papel brilhante parecem elaboradas para ter suas páginas arrancadas e pregadas nos banheiros de borracharias. A comunicação televisiva, então, nem se fale. O saudoso Stanislaw Ponte Preta chamava a TV de máquina de fazer doidos. E olhe que de sua época para cá a loucura piorou muito. Apareceu o defectível Faustão, o xaroposo Sérgio Malandro, a pretensiosa Xuxa…  Carlos Alberto de Nóbrega, que nunca conseguiu fazer rir sequer seus próprios filhos, ganhou destaque. A já ida Hebe passou a fazer gracinhas para, sob aplausos de claque paga, agradar a uns e discriminar outros. Embora tenhamos a TV a cabo, supostamente direcionada a um público mais exigente, o besteirol principalmente, o “global”, está ganhando espaço por lá.

Ainda bem que podemos fugir das asneiras, sentados no sofá com o controle remoto na mão. Pela telinha vende-se tudo, de falso diploma até instruções de como comer um quibe na companhia de um árabe. E como se convence! Qualquer coisa na TV fica bonita e atraente, ainda que desnecessária, ou, de raríssimo uso. É aspirador de pó para enfeitar prateleira, escova para pentear sobrancelhas, massageadores e máquinas para emagrecer de efeito para lá de milagrosos, infalíveis pegadores de azeitonas e por aí. Isso sem falar de como ficam bonitos e perfeitos os candidatos nas campanhas eleitorais. Tem até uma história verídica em país dito do primeiro mundo, pela qual a mídia terminou convencendo milhares de pessoas a adquirirem e dotarem pedaço de rocha como pedra de estimação, oferecendo-lhe afago, cama confortável e carinho diário, como se fosse um “pet” que não dá trabalho, é claro, para manutenção.

O fato é que o poder da comunicação, da mídia, é incalculável. Consegue fazer deputado um palhaço, um cantor de forró, justificar uma injustiça, elevar culturalmente os medíocres, condenar suspeitos etc.

* Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].