Nosso verão

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O verão nosso de cada dia… deve ser louvado em prece e genuflexão. Por concorrência da primavera, não é a estação das flores, mas das cores, dos sabores e amores; dos cheiros e temperos; dos mochileiros e mineiros. O sol brilha mais e a gente pode ver melhor todo o esplendor da natureza. Gotas de orvalho na relva pela manhã fazem um espetáculo ímpar de rara beleza. As inigualáveis frutas tropicais, dessas que se comem beijando, sorvendo-lhe demoradamente a doçura, a maciez, o aroma e o sabor: abacaxi, melancia, caju, manga, jaca, graviola, pitanga, cajá, umbu, abiu, grumixama, sapoti e uma quase infinidade de tantas outras que só cabem mesmo num generoso universo chamado verão. Os horizontes ficam mais largos; o céu mergulha no oceano num ponto abismal bem mais infinito. A sombra e a brisa! Ah, que gostosura! Nada melhor para sonhar oportunidades, amizades, conquistas, miragens e tudo o que estará, sem dúvida, no colorido dos fogos de artifício e na nevoa do espumante da meia-noite; nos apertos de mão, nos abraços e beijos, na libertação do ano que se foi, na transformação da arena, antes de luta, agora em divino templo da paz, do respeito e da esperança. No verão praiano a água benta ou rebenta está ali pertinho, aos pés, salgada, abençoada, fria, porém, safada e gostosa. Basta sentir a presença de alguém e lá vem ela, toda ondulante e serpenteante, beijar os pés, as mãos e todo o corpo dos que se permitem às insinuações. As mais agitadas, assanhadas, se prestam a brincar com surfistas e outros jovens prancheiros de corpo bronzeado. Quando estão sossegadas, lá pelas bandas das profundezas, ficam sérias e cheias de responsabilidade para levar em seus ombros cargueiros e até ricos transatlânticos. As folhas dos coqueiros esfregam-se escandalosamente umas às outras; alcovitadas pelo vento alegre, parecem se entender e valsear ao sonoro murmúrio das ondas produzindo de vez em quando esquisitos ruídos de múltipla interpretação. A areia…  Atrevida! Não se contenta em sustentar os pés, força-os a se despirem das sandálias e outros invólucros para abraçá-los em completa intimidade. É um chamego só. Oferece-se a todos os gostos: fria, morna, seca, molhada, fofa, compacta etc. Mas, não tem o menor apreço para com os que lhe maltratam, com os que lhe despejam cascas de coco, vidro quebrado, plásticos, excrementos e outros lixos. Dá logo o troco no meliante, alergia, cafubira, diarreia, queimaduras, enjoo e vontade de voltar para casa. A praia tem outras defesas, possui um exército de pequenos caranguejos grauçás, que é acionado para espantar noviços no pedaço e para recolher, enterrar e esconder pequenos objetos. Dizem que nos subterrâneos das praias há um verdadeiro tesouro: brincos, cordões de ouro, anéis, alianças, pérolas e até valiosas próteses dentárias.

O verão faz e revela muitas coisas, novas amizades, novos romances; aumenta a preguiça, a paciência e a inspiração, desmancha rixas antigas, aumenta o riso e diminui o choro; os encontros superam os desencontros. Todos se acham num palco democrático e sem limites, onde artistas e plateia se misturam, invertem os papéis e se aplaudem mutuamente. Quase ninguém se importa com os que querem se exibir pelos trejeitos, piercings pendurados em inimagináveis partes do corpo, tatuagens insinuantes, físico moldado no espelho dos programas de TV ou ainda pelos estapafúrdios penteados coloridos e volumosos. Como num baile de máscaras, nesse caso, de sungas, maiôs e biquínis, ninguém sabe quem é quem. O rico, o pobre, o culto, o analfabeto, todos reduzidos a simples veranista, comendo queijo assado e bebendo cerveja. De fato, o que as pessoas querem é estar na praia pela manhã, passear no calçadão à beira-mar à tarde e, ao anoitecer, ver a lua emergir solenemente do oceano, imponente, gigante, dourada, digna de um alegro sinfônico com sinos a repicar. Mais tarde um pouquinho é hora de ouvir uma viola em seresta ou reunir a juventude nos points para tomar sorvete ou fazer um lanche moderno, desses que dizem matar mais que fumaça de tabaco. Mas, o que termina valendo é a prosa, é participar do torneio de quem sabe mais das novidades.

Enfim, verão bom mesmo é esse nosso, verão tropical, de sol, sombra e água fresca, malandro, sem pressa e sem canseira, com validade estendida a mais de três meses.

Além dos trópicos o verão é outro, tímido, apressado, como um executivo a cumprir horário agendado. Há lugar em que o frio, a chuva e as nuvens só permitem verão que dure um único dia. E quando esse dia cai num domingo é motivo de baita festa e muita foto para não ser esquecido, porque, ainda assim, é Verão!

* Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected]