Marcela, o feminino e as feministas

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As mulheres são os seres mais admiráveis da criação, um nadinha assim abaixo dos anjos. Por esse motivo, aliás, chamar mulher de anjo talvez seja a mais comum das metáforas. Paradoxalmente, a reconhecida dificuldade de entendê-las ocupa bom lugar no repertório de encantos femininos. Mulheres são mesmo assim, não por que sejam menos racionais, mas porque não é apenas nas obras ficcionais que o mistério atrai. Não sem razão, Oscar Wilde escreveu que as mulheres não devem ser entendidas, mas amadas. Ponto, Oscar. Não precisa dizer mais nada.
Este breve preâmbulo tem a ver com dona Marcela. Para quem ainda não sabe do novo hit das redes sociais, a jovem senhora é a esposa do vice-presidente Michel Temer. “Bela, recatada e do lar”, na expressão usada em matéria publicada no site da Veja, Marcela provocou ondas de indignação que se propagaram com aquela velocidade por vezes difícil de explicar, embora se entenda como funciona: o assunto faz a pauta, que faz o assunto e assim sucessivamente até que a energia se dissipa e tudo cai no esquecimento. Nesta semana, porém, Marcela – bela, recatada e do lar – é assunto. Não porque queira, mas porque as pessoas se interessam pela vida dos famosos. Muita gente ganha dinheiro e notoriedade dedicando-se a escrever e a falar sobre eles. O que turbinou o interesse pela mulher do vice-presidente foi se declarar “do lar”. Marcela não trabalha! Dedica-se à casa, ao marido e ao filho! No pleno exercício de sua liberdade, escolheu essa vida para viver!
Escândalo! Bastou a informação para que as feministas se ouriçassem e não apenas fizessem cair sobre ela seu desprezo e seus anátemas, mas os propagassem como vírus na internet para que tal repulsa sirva de exemplo e nenhuma outra criatura se atreva a conferir celebridade a semelhante opção de vida.
Se já é difícil entender as mulheres, mais difícil ainda é entender as feministas. Valha-me Deus, no momento em que me ponho perante esse mistério. Pergunto: não é o feminismo uma espécie de libertarianismo do qual não escapa qualquer dimensão do ser mulher? Não é ela, senhora de si mesma? Seu poder e seus direitos não incidem até mesmo sobre a vida do filho em seu ventre? Não deve ela estar liberada de todas as amarras e opressões?
Sob tais conceitos, dos quais em parte divirjo, não consigo entender como milhares de mulheres e alguns homens alinhados com essas ideias possam pretender impor a Marcela – bela, recatada e do lar – o estilo de vida por eles prescrito para o tipo de mulher que idealizam. Como se essa idealização não fosse (e os textos nas redes sociais mostraram que é) uma forma de opressão e tirania. Marcela acaba de se descobrir “politicamente incorreta”…
Saiba, leitor: se você fizer uma enquete entre quantos palpitam sobre a vida da mulher do vice-presidente descobrirá que “todas e todos” acham que impeachment é golpe.
*Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.