Horário de verão

391

Horário de verão parece até juiz de futebol. Poucos ou raros elogiam, quase todos falam mal. Alguns sentam o cacete sem dó nem piedade. Mas, tem suas vantagens. É uma boa desculpa para se chegar atrasado ao trabalho e aos compromissos. Lamentável para os descansados, é que essa justificativa tem prazo de validade curto e, a cada ano, fica mais manjada. Por outro lado, o cidadão mato-grossense quando vai à praia não reclama de ter que acordar uma hora mais cedo para testar se a água do Atlântico é salgada mesmo. Os de viagem à Europa acordam, por lá, três a quatro horas mais cedo que o costume e fazem isso com a felicidade de muriçoca sugando caipirinha (sangue de diabético alcoolizado). O pessoal do centro-oeste, Brasília, Goiânia etc., fica fulo da vida em ter que acordar ainda com o escuro da madrugada, principalmente os do Lago Sul do DF, onde a noite é sempre uma criança sem responsabilidade e a neblina dá mais preguiça ao Sol. Evitam, contudo, maldizer do dia claro às sete e meia da noite, a propiciar caminhadas mais seguras. Ato falho, cumprimentam seus “concaminheiros” às oito da noite, com um solene “boa tarde”. Até aposentado, que nada mais tem a fazer na vida, brada contra a “obrigação” de levantar mais cedo para urinar e jogar dominó na pracinha.
O bicho pega mesmo é quando se viaja de avião do Nordeste para o Sudeste ou Centro-Oeste, a Brasília, por exemplo. Os prefeitos dos confins nordestinos não sabem se têm que atrasar ou adiantar o relógio. Seus assessores ficam mais perdidos ainda. Terminam se socorrendo nos seguranças do aeroporto.
Também não dá para imaginar o aranzel racional que resulta quando o baiano do Extremo Sul atravessa as fronteiras com Minas e Espírito Santo, aqui pelas nossas bandas. É nessa hora que emerge a dúvida se o extremo sul baiano se identifica ou não com Minas, com o Espírito Santo e com o Nordeste. Não tem fuso horário que aplaque a confusão. Por exemplo: a operária que mora em Ibirapuã/BA e trabalha na vizinha Serra dos Aimorés/MG, tem que acordar às seis, sair de casa quinze para as sete para chegar no serviço às oito. Ô louco, moço! Termina sua jornada às seis da tarde e chega em casa às cinco e quinze. Aí, a loura pira. Desparafusa o cérebro e passa o verão esperando neve…
Os politicamente eriçados e burgueses, bufões inconformados – os “black blocs” da internet – logo culpam os políticos por essa confusão no fuso horário. Ameaçam quebrar o relógio da praça, da parede, do próprio pulso e até o monitor do computador, se estiver marcando hora de verão. Convocam colegas mascarados para tapar o sol com a peneira, em frente ao Congresso. O mote é “Vamos fazer o dia virar noite” para eles perderem a hora de terminar a sessão e pegarem o avião errado. Dilma, pálida ante as ameaças, e ouvindo o Conselho da República, admite editar Medida Provisória incorporando parte do sudeste e do centro-oeste, inclusive Brasília, à Região Nordeste.
Apesar de todo esperneio, o horário de verão está implantado e não é invencionice cabocla. O mundo inteiro, salvo raras exceções, adota o horário de verão com o objetivo de economizar energia elétrica. É tradicional e bem aceito na América do Norte e na Europa, para não falar de outras regiões do primeiro mundo. Em Portugal, que fica na extremidade oeste do seu fuso horário, algumas casas noturnas costumam fechar as portas ainda com a luz do dia. E não é idiossincrasia de português.
O diferente em nosso horário de verão é que ele vale apenas para certas regiões, excluindo outras, como o Nordeste. Isso provoca uma tremenda confusão quando se analisa o horário de verão à luz do sol e do propósito de se economizar energia elétrica. Por incrível que pareça, é na franja praiana nordestina onde, provavelmente, se justificaria melhor a adoção dessa alteração de hora. No período de outubro a março, a claridade do dia nas praias nordestinas irrompe bem antes das cinco e é abafada pela escuridão antes das seis da tarde. Neste caso, melhor nominada seis da noite. Com o horário de verão – uma hora a mais – ter-se-ia um período diário de claridade iniciando antes da seis da manhã e terminando após a seis da tarde. Perfeitamente dimensionado para o conforto humano no exercício de suas atividades.
*Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico (B.Sc.) pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected]