Estudo pode ajudar a identificar pacientes com câncer mais propensos a desenvolver caquexia

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Imagem comparativa de miotubos – células precursoras de tecidos musculares – expostos à ação da citocina IL8 (direita) e de um grupo controle (esquerda). Recorte em detalhe mostra que a espessura do miotubo tratado com IL8 era três vezes menor do que de um miotubo saudável (10 micrômetros, ante 35 micrômetros dos últimos) (imagem: Cancers)

Chloé Pinheiro / Agência FAPESP – Estima-se que até 80% dos pacientes com câncer em estágio avançado podem desenvolver caquexia – síndrome metabólica caracterizada pela perda severa de peso e de massa muscular, que pode levar à morte. Ainda não se sabe, contudo, por que o quadro é mais prevalente em certos tipos de tumores, ou por que nem todos os pacientes com câncer desenvolvem essa síndrome.

A resposta pode estar na genética tumoral. Ao analisar 12 tipos de câncer, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) identificaram padrões de expressão de proteínas secretadas pelos tumores que se correlacionam com a prevalência de caquexia e com a média de perda de peso para cada tipo tumoral.

A pesquisa teve apoio da FAPESP e foi coordenada por Robson Francisco Carvalho, professor do Instituto de Biociências de Botucatu (IBB-Unesp). Participaram do estudo pesquisadores da University of Southern, da Dinamarca, e da Faculdade de Medicina da Universidade de Antioquia, da Colômbia. Os resultados foram publicados no Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle.

De acordo com o pesquisador, a condição é mais prevalente em pacientes com tumores de pâncreas, esôfago, cabeça e pescoço, estômago, cólon e reto, sendo menos observada em pessoas com câncer de mama e próstata.

“Fatores indutores, derivados principalmente do tumor, já tinham sido associados com o desenvolvimento da caquexia, porém, ainda não era possível associá-los com essa variação na prevalência e na gravidade da síndrome. No tumor de pâncreas, por exemplo, que tem alta prevalência de caquexia, encontramos alteração na expressão de 14 de 25 genes que codificam fatores indutores. Já no tumor de próstata, que possui baixa prevalência da síndrome, não identificamos alteração na expressão em nenhum desses 25 genes”, diz Carvalho.

Bases de dados 

As conclusões do estudo se baseiam na análise de dados clínicos e moleculares disponíveis em dois bancos de dados públicos: The Cancer Genome Atlas (TCGA) e Genotype-Tissue Expression (GTEx). Para delinear um perfil específico dos tumores, o grupo usou 4.651 amostras de 12 tipos de câncer e as comparou com 2.737 amostras de tecidos normais correspondentes.

Cada célula ou tecido produz um conjunto de moléculas de RNA – chamado transcriptoma – que é responsável por “transmitir” as informações codificadas pelos genes e, nesse caso, orientar a síntese de proteínas. “A partir de análises do transcriptoma, comparamos o perfil de expressão gênica de proteínas secretadas entre tumores e tecidos normais”, explica Carvalho.

Essa análise inicial identificou novos fatores específicos de cada tipo tumoral com potencial de explicar a variação na prevalência e gravidade da caquexia no câncer. O banco de dados The Human Protein Atlas forneceu as informações de todos os genes de proteínas secretadas pelas células humanas – já foram descritas 2.933 moléculas desse tipo.

Após a análise dos genes dessa lista de proteínas, o grupo focou a investigação em genes que codificam os 25 fatores de crescimento e citocinas já conhecidos como fatores indutores de caquexia. Entre eles estão a CXCL8, IL1B, LIF, TGFA e IL6. Essas moléculas já tinham sido avaliadas em trabalho anterior, em amostras sanguíneas de pacientes caquéticos com câncer de pâncreas.

“Assim, identificamos importantes correlações entre o perfil de expressão de fatores indutores de caquexia – específicos para cada tipo tumoral – condizentes com a prevalência da síndrome e média de perda de peso nesses tipos de câncer”, conta Carvalho.

No câncer de pâncreas, cujos pacientes em geral sobrevivem pouco, a perda de peso média é de 13,7 quilogramas (kg). No de próstata, em que os pacientes têm alta sobrevida, não chega a 2 kg. “Também identificamos importantes correlações entre o perfil de expressão de fatores indutores de caquexia em cada tipo tumoral e o pior prognóstico [menor sobrevida] do paciente”, afirma.

Em pacientes no estágio final da síndrome, denominado caquexia refratária, a sobrevida é menor do que três meses.

Biomarcadores

Robson Francisco Carvalho (próximo ao computador), Sarah Santiloni Cury, Diogo de Moraes (foto: arquivo dos pesquisadores)

Os genes descritos no artigo têm potencial para servirem de biomarcadores do risco de desenvolver caquexia, condição complexa, cujo tratamento ainda é um desafio para a ciência. “Isso sugere que cada tipo de tumor requer um tratamento específico contra a síndrome. Conhecer esse perfil poder ajudar o médico a identificar pacientes com prognóstico desfavorável, o que impacta em decisões importantes sobre o tratamento”, explica Carvalho.

O grupo da Unesp já havia feito uma descoberta relevante nesse campo. “No ano passado, avaliando a caquexia em casos de câncer de pulmão, identificamos que a proteína IL8 secretada pelo tumor pode induzir a atrofia de células musculares”, conta Carvalho.

Realizado em colaboração com grupo de pesquisa da Dinamarca, e com o apoio da FAPESP, o estudo anterior foi publicado no periódico Cancers. “Ao analisar a expressão de genes de proteínas secretadas no tumor de pacientes com câncer de pulmão e reduzida muscularidade identificada por tomografia computadorizada, também identificamos um conjunto de moléculas capazes de predizer o prognóstico da doença”, completa.

Mas a aplicação prática desse conhecimento ainda é desafiadora. “Uma vez que identificamos esse conjunto de biomarcadores da caquexia com importante valor prognóstico, talvez seja possível, no futuro, desenvolver um painel para avaliar a expressão desses genes no tecido tumoral”, diz Paula Paccielli Freire, que desenvolveu a investigação durante seu doutorado no IBB-Unesp.

O grupo agora tem realizado a análise de dados de sequenciamento de RNA de célula única (do inglês single-cell RNA-Seq), que analisa o transcriptoma de células individuais em tumores com alta prevalência de caquexia. Até então, os trabalhos de transcriptoma só permitiam o uso de amostras da massa tumoral, que contém uma mistura complexa de diversos tipos celulares. “Com o avanço da tecnologia de sequenciamento de RNA de célula única, estamos identificando exatamente qual célula está secretando um determinado fator indutor de caquexia”, explica Carvalho.

O artigo The expression landscape of cachexia-inducing factors in human cancers, de Robson Francisco Carvalho, Paula Paccielli Freire, Geysson Javier Fernandez, Diogo de Moraes, Sarah Santiloni Cury, Maeli Dal Pai-Silva, Patrícia Pintor dos Reis e Silvia Regina Rogatto, pode ser lido em www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32125790.