Autismo

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Por Maurício de Novais Reis*
Parte III – Especialmente nas últimas duas décadas, o autismo “não cessou de afirmar sua presença” no âmbito médico-científico, desvinculando-se completamente da classificação nosográfica das denominadas psicoses infantis. Isso porque no princípio dos estudos acerca do autismo, este encontrava-se, segundo muitos pesquisadores, fortemente vinculado à esquizofrenia infantil. Todavia, ambos os conceitos foram devidamente separados por volta do ano de 1979, período no qual fortaleceu-se a noção de “deficiência mental” em detrimento da noção de “doença mental”.
Embora haja um crescente interesse da psicanálise pela investigação acerca das etiologias escamoteadas na classificação dos chamados Transtornos do Espectro Autista, durante tempo considerável a psicanálise foi até mesmo combatida veementemente por associações de pais de crianças autistas em várias partes do mundo em decorrência da concepção defendida pelo psicanalista Bruno Bettelheim acerca das causas do autismo. Bettelheim estava convencido de que o autismo não tinha nenhuma base orgânica, senão que era originado por mães frias e pais ausentes. Defendia que a causa do autismo estava no fato de as “mães geladeiras” não estabelecerem vínculos afetivos necessários para o desenvolvimento psíquico dos filhos. Segundo ele, esse distanciamento das mães acabava por lançar os filhos no isolamento afetivo e emocional.
Durante mais de duas décadas as teorias de Bettelheim lograram aceitação no campo da ciência, arrastando um sem-número de psicanalistas freudianos para as trincheiras da hipótese não-orgânica formulada pelo psicólogo judeu norte-americano nascido em Viena. Não obstante, sua teoria tornou-se bastante fragilizada à medida que novas pesquisas foram empreendidas no campo do autismo. Bruno Bettelheim suicidou-se em 1990, sem empregar novas pesquisas no campo do autismo.
“Fazemos parte de uma geração de psicanalistas que já se livrou há um bom tempo da absurda hipótese de que o autismo seria culpa dos pais e, especialmente das mães”, afirma Eric Laurent no seu livro “A Batalha do Autismo”. O referido livro foi escrito pelo eminente psicanalista francês como uma espécie de manifesto dos psicanalistas acerca do autismo, posto que, na França, uma verdadeira batalha tem sido travada a respeito de que profissionais podem prestar atendimento terapêutico às crianças com espectro autista. Nessa batalha a psicanálise tem sofrido severas derrotas, tanto no sentido da propaganda negativa que muitas instituições fazem contra a prática clínica psicanalítica com autistas, quanto entraves jurídicos envolvendo a psicanálise enquanto método terapêutico válido para o Transtorno do Espectro Autista.
Por outro lado, no Brasil e no mundo, muitos relatos clínicos têm demonstrado êxitos alcançados por psicanalistas no atendimento a crianças autistas. A psicanalista Anna Lúcia Leão López publicou um artigo no qual afirma que a “utilização da linguagem sonoro-musical como recurso pode ser favorável para possibilitar o comparecimento do sujeito”. A autora relata a possibilidade de estabelecer comunicação com uma criança autista mediante a música tocada no violão, na qual o nome da criança era expresso. Segundo ela, ao longo dos atendimentos a criança autista cantarolava a música e solicitava que as sessões fossem iniciadas e finalizadas com a canção. Continua.
Continua.
*Maurício de Novais Reis é Psicanalista, Especialista em Teoria Psicanalítica e Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa.