A formação do Psicanalista

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Por Maurício de Novais Reis*
Parte I – A formação do psicanalista constitui-se temática cuja discussão é imprescindível, uma vez que reveste-se de relevância essencial para a consecução daquilo que podemos denominar inequivocamente de psicanálise. Nesta perspectiva, podemos falar em formação do psicanalista no sentido de o sujeito “fazer-se” psicanalista segundo os ditames do seu próprio desejo, comprometendo-se com o discurso analítico, fundamentado especificamente na noção de inconsciente. O psicanalista, antes de mais nada, está comprometido com o inconsciente.
Por outro lado, a formação psicanalítica ocorre de maneira diversa daquela com a qual estamos habituados, posto que, diferentemente das formações acadêmicas que ensejam uma estruturação técnica e profissional, a psicanálise reconhece-se como uma práxis, isto é, nessa práxis, “a psicanálise em intensão (a experiência da análise) deveria se unir à extensão (a transmissão do saber textual) segundo o princípio transferencial’. Desta forma, podemos afirmar que as implicações da formação do psicanalista ultrapassa incomensuravelmente as implicações, quais sejam elas, da formação de qualquer outro corpo teórico. Obviamente, não é escopo deste texto fazer surgir um fosso intransponível entre a psicanálise e as demais abordagens técnico-científicas ou teóricas, mas é, antes, delimitar quaisquer mal-entendido que a linguagem possa produzir acerca da definição do que chamamos de formação.
Assim, o escopo deste artigo não é outro senão explicitar as peculiaridades implicadas na formação do psicanalista, expondo conceitualmente os aspectos necessários para que haja uma formação realmente psicanalítica. Para tanto, defendemos que o estatuto da psicanálise é ético, não ôntico. Sendo assim, podemos afirmar que a formação do psicanalista implica no reconhecimento tácito da constituição ética da psicanálise, não somente no percurso da formação. Christian Dunker afirma que o psicanalista não se faz na poltrona, mas no divã, à medida que demonstra comprometimento com seu próprio desejo na posição de analisando/paciente.
Lacan afirmou, polemicamente, que “o psicanalista não se autoriza senão de si mesmo”. Essa afirmação de Jacques Lacan tornou-se polêmica em decorrência da interpretação ambígua a que a frase conduz o ouvinte. Todavia, em se tratando de Lacan, para quem “você pode saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou”, o equívoco parece inevitável. Mesmo assim, faremos bem em examinar cuidadosamente as colocações de Lacan em busca de um saber que se encontra escamoteado nas entrelinhas do inconsciente. Portanto, Christian Dunker esclarece que o “autorizar-se de si mesmo” expresso por Lacan sugere genericamente que “tornar-se psicanalista é um ato ético do sujeito, um ato que se realiza no interior da análise e que procura restabelecer a ideia mesma de formação em toda a sua radicalidade.” Logo, um ato que é “próprio do sujeito em formação, sozinho portanto, mas não solitário, no sentido em que tal ato deve ser reconhecido por alguém”.
Sim. O psicanalista não se autoriza senão de si mesmo. Porém o ato de autorizar-se deve encontrar ressonância no reconhecimento de alguém. Continua.
* Maurício de Novais Reis é professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa; especialista em teoria psicanalítica.