A formação do Psicanalista

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Por Maurício de Novais Reis*
Parte Final – Faz-se necessário enfatizar que a psicanálise trabalha com as individualidades, não com a generalidade. Portanto, uma análise pessoal jamais deve começar com um final previamente agendado. Desta forma, podemos compreender o quanto o percurso analítico é incerto, posto que dependerá do desenvolvimento da própria análise do sujeito, bem como de seu percurso mesmo de autorreconhecimento. Assim, a análise pode se prolongar por anos, sem que o analisando consiga ‘descobrir o seu caminho e trilhá-lo sozinho’.
Outro fator preponderante que deve ser examinado cuidadosamente é a nomenclatura proposta por Lacan, já na fundação de sua escola (note que Lacan fundou uma “escola”, não uma “sociedade” de psicanálise), cujo objetivo certamente encontra-se mais conectado com o sentido de transmissão de saberes, visto que a psicanálise liga-se mais fortemente à cultura e menos à noção de sociedade. Embora para Lacan a questão política permaneça inalterada, a designação de escola revela uma preocupação metodológica na transmissão da psicanálise, a saber, o caráter de transmissão de cultura.
Nesta perspectiva, em 1967 Lacan propõe uma inovação experimental de caráter formativo cujo objetivo era regular a formação do analista no interior da escola, especialmente no tocante à questão do fim de análise. A despeito de apresentar-se como um contra-senso, visto que a formação do analista não tem propriamente um fim, a proposição apresentada por Lacan determinava o fim de análise como uma espécie de sistematização da experiência de análise. Grosso modo, o “autorizar-se senão de si mesmo” passaria por uma sistematização dos saberes vinculados e transmitidos pela escola. Para tanto, surgem os carteis, que não são liderados por ninguém, mas que agrupam um pequeno número de indivíduos, supervisionado por alguém que exerce a função de mais-um, em torno de uma temática. Obviamente não se trata de alguém que detém o discurso de mestre dos demais, mas de alguém que teria a função de organizar os estudos para apresentações periódicas dos resultados alcançados.
Todavia, o ponto mais polêmico das proposições trazidas por Lacan refere-se objetivamente à nomeação de analistas. Segundo ele, essas nomeações (ou recomendações) realizadas pela escola deviam antes considerar um dispositivo que levasse em conta a experiência de análise. O dispositivo ora mencionado ficou conhecido como passe. “Essa controversa invenção”, argumenta Christian Dunker, “corresponde ao processo pelo qual um analisante relata sua experiência de análise a outros dois analisantes, no momento final de suas análises; esses passadores relatam o relato do analisante para um cartel, que funcionaria como um júri. Tal júri pode ou não reconhecer o relato da experiência apresentada como legítimo.” Portanto, a formação possui dois aspectos caracterológicos importantes: inclui o próprio testemunho do sujeito em formação e trata-se de uma experiência coletiva.
Já que finalizar é preciso, sejamos precisos na conclusão.
Independentemente da escola psicanalítica escolhida pelo aspirante a psicanalista, duas coisas tornam-se imprescindíveis: o cumprimento cabal do tripé freudiano e a responsabilidade que essa autonomia intelectual proporciona.
*Maurício de Novais Reis é Psicanalista, Especialista em Teoria Psicanalítica e Professor no Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa