A escola reprovada

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A escola retoma suas atividades para o ano letivo de 2013, mas, o alvoroço já começou semanas antes na compra do material escolar e do uniforme; no arrancar de cabelos para achar um jeito de honrar o cheque pré-datado dado na escola particular. A estudantada pelo telefone e pela internet arranja suas turminhas, as futuras conquistas, as festinhas e outras tantas coisas interessantes que poderão advir para compensar os enfadonhos bimestres vividos em herméticas salas de aula, onde se suportam bafos, cheiros, cuspe, espirros e mau humor dos professores. É essa mixórdia transformada em matéria que será cobrada com testes e tarefas que só Deus pode saber para que servem na vida comum do cidadão e, ainda, para os que se julgam endinheirados, com carnês bancários que sustentam a fantasia qualitativa das escolas privadas.

Por que (mas, por que mesmo!) no universo educacional há uma nefasta preferência para se viver tempos que já deveriam estar arquivados e esquecidos? Por que é nesse, o mais importante dos nichos sociais, o de formação cidadã, que o atraso, infelizmente, permeia e consegue vigorar vitorioso, dando língua para os tempos modernos? O atraso pedagógico tem mesmo jeito de ser moléstia epidêmica que opera em cadeia, afeta primeiramente os formuladores de política educacional e, daí, vai contaminando todo o sistema, os gestores escolares, os cognominados orientadores, coordenadores e planejadores educacionais, os professores, também, os produtores de material pedagógico, as famílias e até a sociedade como um todo que consegue engolir sem vomitar – por ignorância ou por tradição – o embuste da educação enaltecida no poder da reprovação. Pequeno esforço analítico revela uma incrível inversão de valores no processo educacional predominante nas escolas, principalmente nas de natureza comercial, naquelas que valorizam o lucro antes do serviço. Nesses vergonhosamente intitulados educandários, o que se busca formar não é o cidadão preparado para o cenário atual em constante mutação, diversificado e exigente quanto à habilidade para mobilizar novos conhecimentos apropriados às constantes reformatações sociais e à convivência interativa. Ao contrário, buscam-se forjar pessoas amarradas a formatos sociais superados, na maioria das vezes, indutores do isolamento, da introspecção, da discriminação e do sectarismo. É a mais cruel filosofia carcerária: punir, jogando-o no limbo social, com a desculpa de recuperá-lo. Com diz o Datena, me ajuda aí, gente; cadê as autoridades? A nota no boletim virou algo atormentador como saldo bancário: se em vermelho é vergonha de enterrar a cara no chão, a punição virá líquida e certa retroagindo a vida do infeliz em um ano. É como se o seu mundo tivesse parado, sem primavera, nem outono, inverno e verão; tampouco festinhas, amigos, shows, namorada, passeios na praia ou na montanha, o que se passou naquele ano foi mero pesadelo, porque a escola, num passe de mágica, converteu tudo em mentirinha.  A lei, ora, que lei? A do “escreveu não leu, o pau comeu?” Coitada, inaceitável em qualquer tempo. Do ponto de vista religioso, notas ruins são tidas como graves pecados, a serem remidos num purgatório chamado recuperação, incensado e iluminado de véspera com velas, orações e apelos metafísicos. Se, ainda assim, o pobre aprendiz não lograr a nota azul, nada de perdão, a penitência é mesmo o inferno social. É inacreditável o desmedido cinismo com que a autoridade escolar informa aos pais que o aluno não logrou êxito e que ficará “retido”, verbete idiota criado para tentar contornar a enganação da incompetência dos agentes educacionais. Dói e muito compartilhar a decepção de quem suou, muitas vezes com privações, para manter seu filho na escola e, ao final, receber como “prêmio” o produto do atraso pedagógico, a droga da reprovação que intoxica de desgosto a família e, muito possivelmente, a sociedade como um todo.  Chegará o dia, se Deus quiser, em que o pai será forte o suficiente para reprovar a escola antes que ela reprove seu filho. E, nesse dia, autoridades, dirigentes, coordenadores e professores hão de se dobrar à vergonha de sua incompetência e de sua preguiça racional. Que esse dia chegue rapidinho, pois até lá, infelizmente, a escola continuará a parir milhares de egressos do atraso, primeiramente os sofridos condenados, quem sabe, até à marginalidade. Depois, os que vão conseguir escapar da reprovação, talvez, imitando prisioneiros que superam, na treita, muros, vigilantes e arames farpados e, por fim, os nerds, cenobitas da aprendizagem, que se privam de uma vida social normal e saudável. Se os algozes de hoje, carimbados com logomarca da escola privada ainda almejarem o título de educador, terão que rever sua participação no contexto da enganação. Já tarda a hora de se repensar o processo de aprendizagem, como um todo, de substituir, de vez, a reprovação por sistema criativo de progressão acadêmica, pelo menos por um sistema educacional  mais justo, honesto e respeitoso com o cidadão moderno.

* Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].