A casa da mãe Joana

411

Essa mãe Joana certamente era uma permissiva senhora. Sua casa, sem muros, cercas ou cães de guarda, se tivesse porta, estaria permanentemente aberta. Não tinha, sequer, essas antipáticas cortinas de vento comuns nas entradas de lojas, que incomodam mais que ajudam e – notem – bem merecidos são os nada cordiais comentários das senhoras em penteados diversos. De tanto entra-e-sai, muita coisa da casa da mãe Joana já havia desaparecido nos gulosos bolsos de convidados e penetras. Tanto que Vinícius de Moraes a identificou, mais tarde, na Rua dos Bobos, número zero, já sem teto, parede, chão, nem pinico. Foi por aí o que aconteceu com muitas prefeituras do interior nesse último dia do ano. Numa cidadezinha cujo Estado não é bom revelar, conta-se que o prédio da municipalidade já estava até alugado para a dona de uma boate famosa, com luzes vermelhas e meninas, algumas já acostumadas de longa data com os cômodos; desde quando ainda estampava no saguão de entrada uma placa de bronze, com os nomes das autoridades de então: prefeito, presidente da câmara, governador, deputado federal, deputado estadual, desembargador, delegado, padre e outras autoridades em letras minúsculas. Essa placa já era! Certamente, virou cinzeiro e outros badulaques vendidos na lojinha de artesanato, tocada pela irmã do ex-prefeito e curadora do dízimo da paróquia. Numa cidade do Extremo Sul baiano o noviço prefeito boquiaberto encontrou nada no prédio municipal, nem papel para imprimir os decretos de nomeação do novo secretariado, digitados em seu notebook. Dia seguinte, o ex-prefeito descaradamente ofereceu-lhe para venda um computador tipo servidor, dito de sua propriedade particular, com todos os dados atualizados da prefeitura, prontinho para uso e, como lambuja, ainda cederia seu secretário particular, expert operador do mesmo, claro, desde que ele fosse contratado como consultor da nova gestão. 

Pois, foi assim que muitas prefeituras, transformadas em casas da mãe Joana, foram arrasadas e colocadas em novo endereço na Rua dos Bobos. Coisa dos sabidos, saídos de bolsos cheios. O bobo novato que se virasse com o barato! E não é que existe lei e leis para coibir esse descalabro? Mas, deve ser dessas leis que não “pegam” e termina vingando a impunidade, como práxis.

Ao novo alcaide só cabe passar o chapéu junto a autoridades estaduais e federais, ministros, secretários, deputados etc. e, consequentemente, jogar por terra o poder da autonomia municipal, sujeitando-se a contrapartidas e negociações geralmente indesejáveis ou, no mínimo, desvantajosas. Cheira até a armação do pessoal de cima. Essa situação é tão comum em todo início de mandato de prefeitos, que já virou moda arrumar as malas junto com os colegas e, em grupo, pedir socorro à Presidência da República, chorando sobre as dificuldades. Até que neste ano o choro não precisou ser copioso, o adjutório presidencial não foi ruim: a presidenta prometeu liberar quase 70 bilhões de reais em programas de investimentos municipais. Porém, sobra uma pergunta que não quer calar: até quando há de vingar essa prática de o Braz é tesoureiro e a gente acerta no final, complementada pela famosa atitude do deixa a coisa como está, para ver como é que fica?

É tempo de se acabar com essa safadeza! Cabe aos recém-eleitos não apenas administrar o dinheiro colhido no chapéu, mas, sobretudo, juntar interesses e esforços para fazer valer o estado de direito e a seriedade administrativa, bem como levar às barras dos tribunais os malandros da gestão pública, principalmente do nível municipal. Acoelhar-se ante os que apoiam ou que fazem vista grossa a essa situação pode insinuar suspeita de conivência com a mãe Joana. 

Com tudo isso e apesar disso, não é hora de se ficar parado, “esperando Godot”. Muita coisa pode ser feita com pouco dinheiro, mas, com muito esforço de criatividade, junção e valorização dos recursos disponíveis. Colaboração, enfim. Nada de ousadias tipo os manjados programas dos “cem dias” de difícil cumprimento. É tempo de se explorar o talento, o dinamismo e a criatividade que brota de cada um dos partícipes governamentais, de se louvar a eficácia, não apenas a eficiência dos secretários e auxiliares. E eficácia quer dizer quem fez mais com parcos recursos para atender aos objetivos governamentais, às expectativas populares ou, ainda, quem melhor articulou e mobilizou o aparato da municipalidade para mostrar a que veio o novo governo.

* Roberio Sulz é professor universitário; biólogo, biomédico pela UnB; M.Sc. pela Universidade de Wisconsin, EEUU. [email protected].